sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Uma Paris de esgoto

GESNER OLIVEIRA E FERNANDO S. MARCATO

Indústrias que não investem no tratamento de efluentes obtêm vantagem competitiva indevida perante concorrentes com políticas sustentáveis
Ainda que 100% do esgoto doméstico da Grande São Paulo fosse tratado devidamente, o descarte clandestino de efluente industrial traria à região poluição equivalente àquela que toda a população da Região Metropolitana de Paris (12 milhões de habitantes) gera com o seu esgoto doméstico.
Recente estudo elaborado pelo Grupo de Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da Fundação Getulio Vargas indica que o total de efluentes líquidos industriais descartados na Região Metropolitana de São Paulo é de 2,7m3/s ou 9,7 milhões de litros a cada hora. É volume suficiente para encher em um dia aproximadamente dois lagos do parque Ibirapuera.
O descarte ocorre de duas formas. A primeira delas está associada ao efluente coletado por redes públicas, mas que não é tratado. Aproximadamente 50% dos esgotos residencial e industrial coletados ainda não são tratados, em que pese o avanço ocorrido nos últimos anos graças ao Projeto Tietê, conduzido pela Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), e à ampliação do tratamento de esgotos em Guarulhos (Bonsucesso, São João e Várzea do Palácio).
Essa fonte representa, porém, aproximadamente 10% (0,28m3/s) do volume total lançado. Os outros 90% são ilegais, diretamente lançados pelos geradores de efluentes na natureza sem qualquer tratamento ou com tratamento insuficiente.
Além dos prejuízos causados à saúde e ao ambiente, a poluição de mananciais com efluentes de alta carga poluidora encarece os custos de tratamento e, em alguns casos, inviabiliza sua captação para fins de produção e distribuição de água potável. Esses impactos são particularmente importantes na região metropolitana de São Paulo, onde a disponibilidade hídrica é de 201 mil litros/habitante/ano --um décimo do volume considerado adequada pelas Nações Unidas.
A razão que leva certas indústrias a descartar irregularmente seus efluentes tem natureza econômica. O lançamento desses efluentes em corpos hídricos ou na rede pública de esgotos deve atender a determinados padrões de qualidade. Consequentemente, os efluentes devem passar por pré-tratamento ou ser enviados a estações especializadas em tratamento de efluente industrial, o que representa custo adicional.
Indústrias que não investem no tratamento de seus efluentes obtêm vantagem competitiva indevida perante concorrentes que desenvolvem políticas sustentáveis de disposição adequada de seus resíduos.
Para reverter essa situação, é necessário um conjunto de ações que envolvam os setores público e privado. A primeira delas é o fortalecimento da fiscalização e aumento do efetivo da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) na aplicação de multas.
Também é importante a mobilização da sociedade civil e o estabelecimento de protocolo de cooperação entre Cetesb e organizações não governamentais para auxiliar no monitoramento do descarte irregular. Para tanto, seria oportuno replicar o modelo de sucesso de mobilização promovido na década de 1990 pela mídia e pela sociedade civil que levou o governo do Estado a criar o projeto de despoluição do Tietê.
Outra providência é a de condicionar a renovação de alvarás e autorizações à conformidade do lançamento de efluentes. Teria grande impacto a criação de um selo de lançamento sustentável atribuído anualmente às empresas.
Por fim, se faz necessário o engajamento do Ministério Público no papel de fiscalização e denúncia. Seria fundamental que o importante trabalho feito pelo órgão na regularização de aterros sanitários fosse estendido à regularização do lançamento dos efluentes industriais.

FIM À PENA DE MORTE

A ditadura que sobreveio ao golpe de 1964 produziu 426 mortos e desaparecidos. A maioria das mortes "oficiais" foi justificada por um artifício do regime militar: uma medida administrativa designada auto de resistência, ou resistência seguida de morte. Era o salvo-conduto para que policiais matassem opositores: o simples registro de um auto de resistência relegava a investigação às gavetas.
Cinquenta anos depois, o ato administrativo continua intocado e é considerado legítimo por autoridades policiais e judiciárias. Hoje, na mira da arma policial está, em maioria, uma população civil jovem, negra e sem antecedentes criminais.
O auto de resistência é um entulho da ditadura cuja motivação, antes política, passou a ter viés social. Em abril de 2008, ao justificar o assassinato de nove pessoas pela Polícia Militar na favela de Vila Cruzeiro (Rio), o coronel Marcus Jardim assim expressou a filosofia que norteia esses assassinatos: "A PM é o melhor inseticida social". A ideia que legitima a ação de maus policiais é a de que pobreza, cor da pele e criminalidade são sinônimos. A sociedade incorporou esses preconceitos --ou os preconceitos da sociedade contaminaram as polícias?
O relatório "Segurança: Tráfico e Milícia no Rio de Janeiro" examinou 12.560 autos de resistência na década de 1990 e concluiu: todas as mortes em ações policiais ocorreram nas favelas; 65% dos assassinados levaram pelo menos um tiro nas costas ou na cabeça, o que permite concluir que foram sumariamente executados. Os mortos foram sentenciados num julgamento em que o policial é o juiz e o carrasco.
Entre janeiro de 2010 e junho de 2012, 2.882 pessoas foram mortas pela polícia no Rio, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e São Paulo, numa média de três por dia --no ano passado, chegou a cinco.
Os Estados Unidos, no mesmo período, tiveram 410 desses casos. Em Nova York, a polícia atirou em 24 pessoas e matou nove em 2011. Naquele ano, o Rio teve 283 mortos por policiais; em São Paulo, 242.
Em 2012, eu e os deputados Fabio Trad (PMDB-MS), Protógenes Queiroz (PCdoB-SP) e Miro Teixeira (Pros-RJ) apresentamos à Câmara o projeto de lei nº 4.471. Ele acaba com o auto de resistência, obriga a preservação da cena do crime, a perícia imediata e a coleta de provas e define a abertura de inquérito. Fica vetado o transporte das vítimas em "confronto" com os agentes, que devem chamar socorro especializado.
O Estado de São Paulo, no ano passado, tomou medidas para coibir a violência policial, em resposta à elevação constante das mortes em autos de resistência. Em 2012, o Estado registrou 546 mortos, contra 439 em 2011.
Relatório da ONG "Human Right Watch" registrou que, em 2012, 95% das pessoas feridas em confronto e transportadas por policiais morreram no trajeto ou no hospital. No início de 2013, o governo proibiu o registro dos autos de resistência e impediu que os policiais socorressem as suas vítimas. Em um ano, foi registrada queda de 39% dessas mortes no Estado e 47% na capital.
A aprovação do projeto de lei estenderá as medidas tomadas por São Paulo ao país. Será um tiro de morte em um dos mais perversos entulhos que o país carrega da ditadura, a licença para matar.

PETROBRAS BATE RECORDE DE PRODUÇÃO NO PRÉ-SAL ( Brasil 247)

Entregaram a Petrobras, por Vinícius Torres Freire





O pessoal do PT costuma dizer que o pessoal do PSDB é "entreguista", entre outros motivos porque pretendia privatizar a Petrobras. Pelo menos, costumava dizer. Não se ouve tal conversa desde que o governo do PT começou a entregar a Petrobras ao brejo.
Antes de continuar, note-se que alguns tucanos, economistas em particular, gostariam de ter privatizado a Petrobras. No entanto, FHC sempre recusou a ideia.
O preço das ações da Petrobras caiu ontem pelas tabelas, um dia depois do anúncio do resultado de 2013. O papel vale menos do que no início do século.
A dívida da empresa cresceu uns 50% no ano passado. A relação entre dívida e geração de caixa aumentou brutalmente em 2013. Investidores puseram a nota de crédito da empresa no bico do corvo.
Grosso modo, essa situação se deve ao fato de a empresa não fazer dinheiro bastante para compensar seu programa monstruoso de investimentos, "monstruoso" no bom sentido. A Petrobras é responsável por mais de 10% do investimento do país (da "formação bruta de capital fixo", de despesa em novas instalações produtivas etc.).
Por que a Petrobras dá passo maior do que a perna? O problema não é bem esse. Na verdade, o governo tem cortado a perna da empresa. Faz a petroleira gastar demais e faturar pouco.
A Petrobras gasta demais em um programa excessivamente generoso de compras de equipamentos nacionais, mais caros. Desastrosa mesmo, porém, é a obrigação da empresa de comprar combustível no exterior para vendê-lo abaixo do custo aqui no Brasil, história mais que sabida.
A Petrobras foi transformada numa seção do departamento estatal de controle de preços. O governo subsidia o combustível ao custo da saúde financeira da empresa. Como agora todo mundo sabe, tal subsídio, além de maquiar a inflação, provoca desastres em cadeia.
O subsídio incentiva o consumo de gasolina, o que, além distorcer a alocação de recursos, cria prejuízos ambientais.
O subsídio ajuda a desorganizar o setor sucroalcooleiro e agregados: a gasolina barata demais prejudica a produção de álcool. Assim, desarranja-se a produção de um setor que vai muito além de cana, açúcar e álcool, mas envolve ainda a cadeia de empresas de equipamentos para usinas de álcool e a rede de ciência e tecnologia nacionais que sempre estiveram associadas à cana e álcool.
O subsídio ajudou a prejudicar as contas externas. Ajudou a aumentar o crescente deficit externo, o que tornou ainda mais problemática a situação do país em um momento de indisposição da finança internacional de bancar essa conta. O subsídio prejudica a arrecadação de impostos de um governo que apresentou deficit crescentes em suas contas.
Trata-se de um desastre multidimensional.
A presidente de Petrobras, Graça Foster, fez sua carreira inteira na empresa, é dedicada, capaz e tem feito malabarismos a fim de evitar que a empresa afunde mais no brejo. Não vai dá pé, até que seja possível administrar a empresa com tal, como um negócio.
O governo tem reconhecido tacitamente bobagens que fez, como no caso das contas públicas. Precisa agora resolver a encrenca da Petrobras, a primeira de uma fila. 



Vinicius Torres Freire está na Folha desde 1991. Foi secretário de Redação, editor de 'Dinheiro', 'Opinião', 'Ciência', 'Educação' e correspondente em Paris. Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve de terça a sexta e aos domingos

Médio, mas não medíocre - LUIZ GARCIA


O GLOBO - 28/02

Boas notícias, apenas no ensino básico: 98% das crianças de 6 a 14 anos chegaram à escola. É bom, mas é pouco



Há apenas uma boa notícia sobre a educação básica no Brasil: os responsáveis não estão procurando esconder da opinião pública a séria situação em que ela se encontra. E esta foi revelada pelo Censo da Educação Básica realizado no ano passado.

Em poucas e lamentáveis palavras: o ensino médio, depois da simples alfabetização, enfrenta uma crise de extrema gravidade: não apenas deixou de crescer como o número de matrículas diminuiu. No ano passado, a queda foi assustadora: 64 mil estudantes a menos. O ministro da Educação, José Henrique Paim, não escondeu o tamanho do buraco.

Nos últimos sete anos, com exceção de 2011, quando houve um modesto crescimento, o clima é de estagnação. Boas notícias, apenas no ensino básico: 98% das crianças de 6 a 14 anos chegaram à escola. É bom, mas é pouco: para crescer até modestamente, o país precisa de muito mais do que um nível aceitável de alfabetização.

Na área do ensino médio, a situação pode ser definida como crítica: no primeiro ano, uns 30% dos estudantes abandonam a escola ou são reprovados. É um número alto demais, com consequências negativas óbvias no crescimento do país. A crise é documentada por pesquisa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico no seu Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). A OCDE constatou que o Brasil, apesar de fazer esse teste com alunos já de 15 anos, o que não acontece em outros países, tem resultados inferiores aos demais. Não se pode dizer, vale a pena repetir, que os responsáveis pelo nosso sistema educacional estejam indiferentes ao problema.

A divulgação do Censo de Educação Básica prova que ninguém pensa em jogar o problema para debaixo do tapete, até mesmo, vale a pena repetir, porque o governo não dispõe de um tapete grande bastante para isso. E é até possível que as revelações assustadoras da pesquisa incentivem uma reação em todos os níveis da administração pública.

Afinal de contas, o problema é igualmente federal, estadual e municipal. E é bom não esquecer que ele ocorre na etapa talvez mais importante da educação dos nossos jovens cidadãos: o ensino médio. Quando ele tem graves deficiências, muitos deles têm problemas graves, seja para começarem a trabalhar, seja para buscarem um lugar nas universidades. Não podemos deixar que, nessa área, médio seja sinônimo de medíocre.

"Tarde triste" - ELIANE CANTANHÊDE


FOLHA DE SP - 28/02

BRASÍLIA - Depois da reviravolta de ontem no Supremo, que agora não reconhece mais o crime de quadrilha no mensalão, o foco está em dois personagens principais e antagônicos: o condenado José Dirceu e o algoz Joaquim Barbosa.

Dirceu foi citado pela Procuradoria Geral da República, pelo então relator Barbosa e pela maioria do antigo Supremo (aquele que condenou) como "chefe de quadrilha" --e condenado como tal pelos indícios e pelo conjunto da obra, mesmo sem provas factuais. E agora? Se não existiu quadrilha, como Dirceu pôde ter sido chefe de quadrilha?

Além da redução de pena e da troca do regime fechado pelo semiaberto, Dirceu está em condições de dar um outro drible na condenação, aproveitando o novo equilíbrio interno no Supremo: a "revisão criminal".

Significa entrar com recurso para uma nova apreciação das outras condenações, mesmo depois de tramitado em julgado. Está previsto no Código do Processo Penal e no Regimento Interno do STF. Você aí, então, pode ir se preparando para a absolvição e, da absolvição, para a santificação.

Vitória de Dirceu, derrota de Joaquim Barbosa. Visivelmente abatido, trocando a arrogância de outros tempos pelo ar de desânimo, ele disse que foi "uma tarde triste para o Supremo" e considerou que "todo o trabalho foi lançado por terra".

Joaquim conquistou amor e ódio como relator do mensalão e depois como primeiro presidente negro do Supremo. Virou um personagem nacional, despertou a cobiça de partidos políticos, achou que estava fazendo história --e talvez estivesse, e esteja, mesmo. Mas vale para ele a mesma pergunta feita para Dirceu, às avessas: e agora? Como conviver como minoria num tribunal onde foi maioria? Pior: como deixar de presidir e passar a ser presidido justamente por Lewandowski em novembro?

Assim como Dirceu é candidato a ex-condenado, Joaquim Barbosa bem pode se tornar candidato a senador, presidente... E a luta continua.

Redução de danos - NELSON MOTTA


O GLOBO - 28/02

As qualidades e os defeitos de Lula todo mundo conhece, mas os de Dilma vão aparecendo aos poucos


Com juros e inflação altos, e baixos crescimento e investimentos, alguns oposicionistas já preferem até a volta de Lula aos riscos da continuação de Dilma. Aceitam abrir mão de um candidato de oposição em favor de Lula só para se livrar de Dilma e de sua equipe, seu estilo e sua gestão econômica. Os mais cínicos dizem que teria saído mais barato ao país ter dado um terceiro mandato a Lula.

Muitos empresários e políticos certamente têm mais saudades de Lula do que esperanças em Aécio Neves e Eduardo Campos. A grande maioria da população diz que quer mudanças, com ou sem Dilma, mas que mudanças esperar com Lula?

Como é muito inteligente e sabia de sua ignorância no assunto, Lula ignorou os ideólogos do PT e entregou a área econômica a Antonio Palocci e Henrique Meirelles, que tiveram um desempenho notável, reconhecido até pela oposição. Com Dilma é diferente, ela é formada em economia, tem ideias próprias sobre o assunto, é “desenvolvimentista” com DNA marxista/brizolista. E, para piorar, muitas vezes nem Lula consegue contestá-la.

As qualidades e os defeitos de Lula todo mundo conhece, mas os de Dilma vão aparecendo aos poucos. Trapalhadas e prejuízos elétricos, petrolíferos e aeroportuários desgastam a imagem da gerentona. E ninguém tem mais ilusões de que ela seria mais intolerante com a corrupção do que Lula, a imagem da faxineira perdeu-se na volta dos faxinados ao poder. Os grotões, o pessoal do Bolsa Familia e os menos escolarizados são os seus maiores eleitores.

Para complicar, a tragédia anunciada da Venezuela e o avanço da Argentina para o abismo confirmam a falência do modelo bolivariano e o desastre do kirchnerismo, que têm em comum, além do esquerdismo e da incompetência na gestão econômica, a perseguição à imprensa e aos adversários políticos, a intolerância a qualquer crítica e atribuir a culpa sempre à direita e aos Estados Unidos. O maior perdedor na derrocada da Venezuela e da Argentina é o Brasil, pelos imensos prejuízos às nossas exportações, mas perderemos menos se Dilma entender os sinais e fizer o contrário do que fazem Maduro e Cristina.

Alívio - CELSO MING ( sobre o PIB 2013)


O Estado de S.Paulo - 28/02

Como poderia ter sido pior, o avanço do PIB do quarto trimestre de 2013 (sobre o anterior), de 0,7%, foi recebido com certo alívio. Não há a recessão que aparecia nos radares do Banco Central (veja o Confira) e tantos temiam. Assim, 2014 não precisa ser pulado, como tempo ruim, para se chegar mais depressa a 2015.

Este é um período de transição. Embora não goste de reconhecer o erro anterior de ter dado ênfase excessiva ao consumo, o governo passou a acionar o investimento, o que é bom. A guinada aponta para consequências positivas nos resultados da economia, tanto em 2013 como em 2014.

O mais importante deles é justamente o maior crescimento do investimento (Formação Bruta de Capital Fixo). Teve no quarto trimestre (sobre o anterior) um avanço reduzido (0,3%), que, em 12 meses, foi de 6,3%. Como pesa relativamente pouco no conjunto do PIB (apenas 18%), o investimento mais forte não produziu grande arranque. Ainda é o consumo das famílias (62,5% do PIB) que comanda o empuxo. Porque consome demais, o País deixa pouco para a formação de poupança que, em 2013, foi de apenas 13,9% do PIB.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, viu bom sinal na maior contribuição das exportações revelada no último trimestre de 2013 (aumento de 4,1% sobre o trimestre anterior). Ele sugeriu que esse bom número abre a janela para uma tendência também positiva. Mas este é um resultado que deve ser visto com reservas porque está influenciado por "exportações fictas" de plataformas de petróleo que não saíram do País, que não vão se repetir tão fortemente em 2014.

Se o desempenho do PIB no quarto trimestre de 2013 foi melhor do que o esperado, dá para concluir que o arrasto (carry over) para 2014 também é mais alto, de cerca de 0,7%.

Isso significa que o desempenho deste início do ano pode ser alguma coisa melhor do que o que figurava nas projeções. A principal consequência prática é que um avanço melhorzinho do PIB em 2014 também pode ajudar a aumentar a arrecadação de impostos e, portanto, a melhorar a qualidade das contas públicas.

Tanto foi impressionante, no ano, o crescimento do setor agropecuário (+7,0%) quanto foi decepcionante o da indústria (+1,3%). Daí o aumento da participação do setor agropecuário no bolo do PIB (de 5,3% para 5,7%) e a queda da fatia da indústria (de 26,0% para 24,9%). A participação do setor de serviços também cresceu, de 68,7% para 69,4%.

A melhora das Contas Nacionais não elimina a questão central de que o ritmo de avanço da economia ainda é fraco. Não precisava ser assim. Em vez de dar mais solidez aos fundamentos da economia (reformas, mais responsabilidade nas Contas Públicas, mais combate à inflação e muito mais investimentos), o governo insistiu com sua política de ênfase demais no consumo, na construção de puxadinhos e em redução localizada de impostos.

O Banco Central tem de mandar o seu Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) de volta para o estaleiro ou, então, tirar sua importância, porque não serve para antecipar o comportamento do PIB.

É hora de desistir do controle de preços - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 28/02

Para a inflação futura cair, a inflação corrente vai subir


O Banco Central vai segurar a taxa de juros, o governo vai explodir o gasto público, a taxa de câmbio sofrerá uma forte desvalorização, a inflação baterá no teto da meta ou mais e a atividade vai definhar.

Na macroeconomia, eram esses os prognósticos que predominavam no fim do ano passado nas agendas dos economistas de mercado para 2014, amparados no comportamento costumeiro dos governantes em tempos de reeleição.

Confrontada com o cenário acima, a realidade hoje é melhor. Os juros subiram para 10,75% ao ano - voltando ao patamar que Lula deixou em dezembro de 2010 - e podem chegar a 11% na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em 1° e 2 de abril; o câmbio está razoavelmente comportado no regime de taxas flutuantes; o governo se comprometeu com superávit primário de 1,9% do PIB quando o mercado esperava 1,4% do PIB; a inflação acumulada em doze meses é de 5,59% até janeiro.

Ontem veio uma boa notícia: o crescimento no último trimestre de 2013 não foi tão ruim quanto se temia. O PIB cresceu 0,7% enquanto o mercado estimava 0,3%.

No ano, a expansão da economia foi de 2,3%, exatamente como previa o relatório de inflação do BC divulgado em dezembro. Isso significa que a herança estatística de 2013 para o PIB de 2014 já garante um crescimento de algo próximo a 0,7% este ano. Pode não ser suficiente para confirmar as expectativas do Ministério da Fazenda, de crescimento de 2,5% este ano, mas desautoriza projeções mais pessimistas de um PIB abaixo de 1% para 2014.

O esforço fiscal prometido pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, está e ficará sob observação por algum tempo, até que a execução das contas públicas mês a mês venha a dirimir as dúvidas. Mas é inegável que o governo fez uma correção de postura. Não só está empenhado em produzir esse superávit em um ano eleitoral, mas dispôs-se a dialogar com os representantes do mercado financeiro antes e depois do anúncio do programa fiscal. Sabe, também, que estará sob intenso escrutínio dos agentes econômicos.

A tarefa de Mantega apenas começou. Há muito o que definir, a começar da solução para o financiamento da despesa de energia pelo uso das térmicas. No campo fiscal, porém, obteve-se uma trégua. Economistas que estiveram com Mantega em reunião na segunda feira em São Paulo até admitiram que o governo de Dilma está mais amigável com o mercado.

A expansão da oferta de crédito público desacelera, conforme a presidente anunciou que faria em setembro de 2013, durante seminário sobre investimentos em infraestrutura no Brasil, em Nova York, logo após o seu discurso na Assembleia da ONU.

Mantega ainda não divulgou qual será o aporte do Tesouro Nacional ao BNDES este ano para irrigar o crédito, mas a Caixa já avisou que nas suas agências ele será mais regrado. Em 2013 o crescimento da carteira de crédito da Caixa foi de 36% e em 2014 vai cair para a casa dos 20%.

Passada a divulgação do programa fiscal, é hora de atacar outros problemas de curto prazo que também minaram a confiança do setor privado nas ações do governo.

Dois casos são gritantes e reforçam a percepção de que Dilma Rousseff não acredita no sistema de preços e considera que o Palácio do Planalto está melhor equipado do que o mercado para estabelecer quando e de quanto devem ser os reajustes da Petrobras e do setor elétrico.

O valor de mercado da Petrobras, que chegou a R$ 472 bilhões em maio de 2008, caiu para R$ 373 bilhões logo após a capitalização, em setembro de 2010, e ontem fechou em R$ 177,9 bilhões. Foram as decisões de governo seguidas do controle des preços dos combustíveis que fizeram derreter o valor da maior companhia do país.

Decisões de governo também levaram a uma pesada distorção no mercado de energia. As três empresas estaduais de energia - Cemig, Cesp e Copel - que rejeitaram os termos do acordo oferecido por Dilma para renovar por 30 anos os contratos de concessões de suas hidrelétricas estão, hoje, nadando em dinheiro com a disparada de preços no mercado livre. Essas companhias, ironicamente controladas por governos de oposição, venderam energia em fevereiro a R$ 822,83 o MWh. Já a Eletrobras, que contra a vontade dos acionistas minoritários teve que aderir ao acordo, vende boa parcela da energia que produz por menos de R$ 30,00 o MWh.

Cálculos do J.P.Morgan apontam que as três empresas, em um cenário de manutenção dos preços de fevereiro, poderão ganhar R$ 7 bilhões de receitas adicionais este ano. Valor superior ao que embolsariam nos 30 anos de concessão, calculam especialistas.

Foi para controlar a inflação que o governo interferiu nos preços da energia. Mesmo assim, a inflação no país continua alta.

Paradoxalmente, ao optar pela política de controle de preços e tarifas públicas acumularam-se defasagens que impedem uma melhora nas expectativas de inflação futura. Para este ano, as expectativas são de 6%. Mantega, aliás, deixou claro na reunião com os economistas que ele não gosta de acumular defasagens , sugerindo que a decisão foi tomada fora do Ministério da Fazenda.

Se descongelar os preços que mantém a inflação corrente mais baixa, o governo poderá colher uma taxa de inflação melhor no futuro próximo. Ou seja, para o IPCA cair, ele primeiro terá que subir.

O governo de 2013 para 2014 não é o mesmo de 2011 para 2012. A duras penas, ele está aprendendo com a falta de resultados da política econômica que empreendeu.

Experientes assessores da presidente constatam que quando confrontada com a inteireza dos problemas, Dilma Rousseff, se move na direção certa. A proeminência do temperamento da presidente nem sempre estimula a crueza dos relatos e argumentos de seus colaboradores.

Na macroeconomia, hoje ela estaria delegando mais aos profissionais do ramo, atestam esses assessores, depois de tentar reduzir os juros e desvalorizar o câmbio de forma mais autônoma. Na questão energética, sua especialidade, Dilma ainda não estaria convencida das soluções.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

CONTO DE NOTÍCIA, PAULO ROSENBAUM As bibliotecas do Tietê


É extremamente importante que as novas gerações saibam mais detalhes do que foi o passado recente do Brasil, antes da redemocratização.  Porque fica patente, a maioria desconhece o que era o Brasil da Inflação de 80% ao mês. Assim como ignoram o que significou os anos de mordaça e censura explícita que vivenciamos durante a repressão nos anos de chumbo.
Aparentemente irrelevantes, são as pequenas particularidades que podem resultar numa percepção crítica e menos simplificada da realidade. Se é inegável que hoje vivemos um período de turbulência , condução equivocada da economia, falta de foco das prioridades do governo federal e um pendor para o centralismo partidário, isso não deve, e não pode, automaticamente, transformar o passado numa época dourada.
As histórias dos presos políticos famosos mais agressivos foi muito bem contada e divulgada e hoje conta com a substantiva ajuda de subsídios federais. Mas e os menos famosos? Aqueles que lutaram anonimamente contra a ditadura — provavelmente os que realmente fizeram a diferença, gente com a mesma fibra daqueles que hoje querem expressar discordância com os rumos do País — experimentaram angústias e perseguições não menos inquietantes.
Cito um caso de experiência pessoal familiar para  ilustrar como um estado policial embrutece eentorpece seus cidadãos. Entre os anos de 1968 e 1972 a repressão estava particularmente interessada nos núcleos intelectuais que se opunham ao regime de exceção. Queriam os líderes, mas também todos que tinham potencial paraoferecer alguma resistência ao regime militar. E um dos parâmetros indiciários do sistema era saber, através de informantes e agentes infiltrados, quem possuía “bibliotecas suspeitas” .
No Index Librorum Proibitorum, versão anticomunista, estavam todos os livros de Karl Marx, e tudo que mencionasse as palavras “materialismo”, “dialética” e “direitos humanos”.  Além de outras raridades do glossário subversivo.
Pois foi numa madrugada que um advogado parente bem relacionado acordou meu pai com a lacônica mensagem “jogue agora sua biblioteca no Tietê”. Meu pai sonolento repetiu a frase, a ver se havia captado a mensagem. E recebeu sua resposta, desta vez duplamente lacônica: “isso mesmo, biblioteca no Tietê, já”. E emendou “todo mundo está fazendo isso”. Sem nenhum requinte os livros foram arrastados até a Kombi da família e transportados até a beira da Marginal, onde todos foram despejados nas águas do rio paulista. Sem um critério preciso e seleção afoita, foram para o leito fluvial de Graciliano Ramos a Aristóteles.
Papel é altamente degradável, mas imaginem quão interessante seria, se, durante alguma obra de dragagem, alguma página mais resistente, com uma gramatura mais densa, tivesse sobrevivido para nos contar qual fim levaram todos os acervos afogados.  Espera-se que nenhuma nova versão de expurgo literário – filosófico- artístico – cultural esteja na pauta dos senhores que tem comichão nas mãos para exercer controle sobre a sociedade. 
Por isso até hoje temos mais é que tremer sempre que ouvirmos a expressão “questão de segurança nacional”. Mesmo com temas diversos e orientações ideológicas distintas, governos autoritários tem a mesmíssima paixão:  fazer submergir as críticas, junto com as liberdades.  

PIB cresce 2,3% em 2013 puxado por agropecuária e investimentos

Economia brasileira voltou a se expandir no 4º trimestre, com alta de 0,7%, acima das projeções dos analistas

27 de fevereiro de 2014 | 9h 00

Economia & Negócios - Atualizado às 10h30
SÃO PAULO - Após recuar 0,5% no terceiro trimestre de 2013, a economia do Brasil voltou a crescer nos últimos três meses do ano passado. A expansão do Produto Interno Bruto (PIB) entre outubro e dezembro foi de 0,7% ante o trimestre imediatamente anterior e de 1,9% na comparação com um ano antes. Com isso, o País fechou 2013 com crescimento de 2,3%, segundo os dados divulgados nesta quinta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Na pesquisa do AE Projeções, serviço da Agência Estado, as estimativas de 52 instituições do mercado apontavam no 4º trimestre de estabilidade a crescimento de 0,55%, com mediana de 0,23%, na série com ajuste sazonal. Já para o PIB fechado de 2013, as expectativas do levantamento iam de expansão de 2,07% a 2,30%, com mediana de 2,20%. 
Pela ótica da oferta, o que puxou a economia brasileira em 2013 foi a agropecuária, com expansão de 7% - a maior da série histórica, iniciada em 1996. Dentre as principais culturas, as que mais se destacaram foram soja (24,3%), cana de açúcar (10%), milho (13%) e trigo (30,4%). Com isso, o setor viu sua participação no PIB sair de 5,3% em 2012 para 5,7% em 2013.
"O destaque foi a soja. Como a área plantada cresceu bem menos que a produção, a gente ainda teve ganho de produtividade. Então isso contribuiu bastante para o aumento do valor adicionado na atividade (agropecuária)", disse Rebeca Palis, gerente da Coordenação de Contas Nacionais do IBGE.
A indústria, por outro lado, fechou o ano com avanço de 1,3% e teve a menor participação no PIB desde 2000. A fatia do setor na produção de riquezas caiu de 26% em 2012 para 24,9% em 2013. Já os serviços aumentaram sua influência, saindo de 68,7% em 2012 para 69,4% para 2013, a maior fatia alcançada pela atividade no PIB também pelo menos desde 2000.
Pelo lado da demanda, os investimentos foram o principal destaque. A formação bruta de capital fixo teve alta de 6,3% no ano passado, puxada pelo aumento da produção interna de máquinas e equipamentos. Foi a maior variação positiva desde 2010, quando o crescimento foi de 21,3%. Já o consumo das famílias cresceu 2,3%, o 10º ano consecutivo de expansão. A alta, no entanto, foi a menor desde 2003. Para Rebeca, a inflação mais elevada contribuiu para esse cenário, mas ainda não é possível dizer se é uma tendência para os próximos anos. Por último, a despesa do consumo da administração pública aumentou 1,9%.
No âmbito do setor externo, as importações cresceram mais do que o triplo das exportações. As compras de bens e serviços de outros países tiveram expansão de 8,4% em 2013, contra uma alta de 2,5% das vendas externas. No ano passado, o PIB em valores correntes alcançou R$ 4,84 trilhões, levando a um PIB per capita de R$ 24.065 - alta de 1,4% ante 2012. Apesar do avanço, o valor por habitante representa apenas um quinto da riqueza dos norte-americanos.
Mas se considerado apenas o ritmo de expansão, de 2,3% em 2013, o Brasil perde apenas para China e Coreia do Sul, ficando com o terceiro maior crescimento econômico do mundo. A taxa de poupança do País em 2013 foi de 13,9%, o menor nível desde 2001. Já a taxa de investimento foi de 18,4%, maior do que o patamar verificado em 2012, de 18,2%.
Impostos impulsionam PIB. O crescimento de 0,7% no quarto trimestre foi puxado pela alta de também 0,7% no setor de serviços e pela expansão do volume de impostos no período. "Dá para ver que o volume dos impostos cresceu mais do que o valor adicionado. Então, ele puxou o PIB para cima", disse Rebeca.
No quarto trimestre, o valor adicionado ao PIB cresceu 0,5%. O restante da taxa, portanto, veio dos impostos, segundo a gerente. "O que mais puxou foi o ICMS, que recai muito na parte de energia elétrica e telecomunicações, duas atividades que cresceram acima da média em 2013", disse. "Isso puxou a PIB para cima no quarto trimestre." Na comparação com o mesmo período de 2012, o crescimento de 1,9% também seguiu essa lógica. O valor adicionado ao PIB cresceu 1,7%, enquanto o volume de impostos sobre produtos avançou 3,1%.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Do Valongo ao Deutsche Bank, por Elio Gaspari ( muito bem escrito)


  • O banco alemão e a Siemens fazem pelos brasileiros do século XXI o que fizeram os ingleses do XIX
ELIO GASPARI
Publicado: 
A Portela vai para a avenida cantando o Cais do Valongo. Até 1831 passaram por ele um milhão de escravos, vindos “de Angola, Benin e do Congo”. O tráfico de escravos só foi proibido em 1850, mas anos depois um dos magnatas do Império foi apanhado contrabandeando negros que eram levados para um viveiro na Restinga da Marambaia. No século XXI, o presidente da República passava feriadões nessa propriedade como se ela fosse apenas um ponto aprazível do litoral do Rio.
A Inglaterra aboliu a escravidão em 1833 e inaugurou a primeira rua com luz elétrica em 1878. O avanço tecnológico levou cinco anos para chegar ao Brasil, em Campos. Já o avanço social, a abolição, levou 55 anos. Tendo sido o primeiro país da América do Sul com iluminação elétrica na rua, foi o último a acabar com a escravidão. A pressão veio de fora para dentro.
De fora para dentro vem outro benfazejo progresso social. O Deutsche Bank acaba de aceitar um acordo pelo qual indenizará em US$ 20 milhões a prefeitura de São Paulo por ter sido o conduto pelo qual o ex-prefeito Paulo Maluf expatriou US$ 200 milhões da Viúva. Esse dinheiro foi achado em 2001 pela polícia da Ilha de Jersey, um pequeno território autônomo do Canal da Mancha. (Ganha uma viagem à Coreia do Norte quem achar que operações desse tipo nunca passaram pela banca nacional.)
Some-se a esse ato de contrição a conduta da Siemens ao colaborar com o Ministério Público nas investigações do cartel dos fornecedores de equipamentos para os governos tucanos de São Paulo. Nessa rede operava a francesa Alstom. Trata-se de uma ladroeira denunciada pela primeira vez em 1995, que se arrastava na burocracia nacional, mas ganhou um novo (e letal) alento com a decisão da Siemens.
O Deutsche Bank e a Siemens não foram convertidos à causa da moralidade pelas lições do Papa Francisco. Fizeram o que fizeram porque temeram as leis de seu país e as normas de organizações internacionais. Como ocorreu no século XIX com o tráfico, tornou-se melhor negócio sair dele. Durante as farras da ditadura, o presidente do Deutsche Bank foi um queridinho do Milagre. Já a Siemens fartou-se no ruinoso Acordo Nuclear dos anos 70.
É comum que empresas americanas mobilizem suas embaixadas para sinalizar que estão sendo prejudicadas por transações misteriosas na burocracia nacional. Há alguns anos, uma licitação da Infraero foi posta nos trilhos depois de uma palavrinha da diplomacia americana. Em outros casos, há diretores que acham que podem dançar pela melodia nativa. Assim fez o grupo Brookfield, que opera no mercado de shoppings. Em 2012 uma ex-diretora da empresa denunciou que ela pagara R$ 1,6 milhão em propinas à rede de Hussain Aref Saab, o encarregado da liberação de obras na prefeitura de São Paulo. O doutor amealhara um patrimônio de 106 imóveis. A Brookfield informou que não sabia de “supostos atos de suborno”. Ficaria tudo na mesma, mas entrou no caso a Security Exchange Commission, que vigia o comportamento das empresas americanas. Bingo. Quando a prefeitura detonou a quadrilha dos fiscais, a Brookfield mudou suas regras e confirmou ao Ministério Público um capilé de R$ 4,1 milhões. Podiam ter feito isso em 2012.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Saúde terá orçamento de R$ 106 bilhões em 2014


Em 2003, o valor disponível para as ações da pasta era de R$ 31,2 bilhões
A presidenta da República Dilma Rousseff sancionou o Orçamento da União para o ano de 2014. De acordo com o texto, publicado na edição da sexta-feira (21) no Diário Oficial da União (DOU), o orçamento do Ministério da Saúde para o ano de 2014 será de R$ 106 bilhões. A proposta já havia sido aprovada pelo Congresso Nacional em 18 de dezembro e seguiu para a sanção presidencial que não apresentou vetos. 
O valor estipulado para o ano de 2014 representa um aumento de 31% em relação a 2011, quando o orçamento foi de R$ 80,9 bilhões. Desde esse período, foram executados pelo Ministério da Saúde R$ 258 bilhões em ações e serviços públicos. Em 11 anos, os recursos destinados ao setor mais que triplicaram. Em 2003, o valor disponível para as ações da pasta era de R$ 31,2 bilhões. 
Este crescimento permitiu aos estados e municípios, responsáveis pela execução das ações em saúde, ampliar programas estratégicos como UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) e SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), expandir a Atenção Básica no país, além de incorporar novas tecnologias para o tratamento de câncer e ofertar medicamentos gratuitos para hipertensão, diabetes e asma por meio do Saúde Não Tem Preço. 
Todos os repasses financeiros realizados pelo Ministério da Saúde são feitos por meio do Fundo Nacional de Saúde (FNS) e levam em consideração fatores como a adesão aos programas federais. Além disso, são utilizados critérios populacionais e epidemiológicos, considerando as características de doenças transmissíveis ou crônicas existentes em cada região. 
O Fundo Nacional de Saúde é o gestor financeiro, na esfera federal, dos recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). Além de atender às despesas do Ministério da Saúde e de seus órgãos e entidades da administração indireta, os recursos geridos pelo FNS são transferidos mensalmente para o custeio e investimento na área da saúde.
 

Mais médicos e menos improviso


Josef Barat

No jargão dos economistas, o termo estrutural expressa algo decorrente de características essenciais ou duradouras da economia – tratando, portanto, de mudanças que delineiam o longo prazo –, enquanto o termo conjuntural é relativo a variações ou ocorrências no curto prazo. Dar soluções conjunturais a problemas de natureza estrutural, visando ao curto prazo, pode representar uma séria contradição quando se trata de formular políticas públicas.
Por outro lado, fomentar conflitos para justificar políticas de curto prazo é postura de alto risco. Portanto, não é correto insuflar a população contra os médicos brasileiros. Os hospitais públicos e postos de saúde funcionam graças à abnegação de médicos, enfermeiros e atendentes brasileiros. Mal remunerados, sem equipes de apoio e sem equipamentos, dedicam-se a dar assistência médico-hospitalar com grande sacrifício pessoal. Claro que qualquer iniciativa que vise a melhorar o alcance e os padrões de qualidade dos serviços merece aprovação. Mas, dada a extrema complexidade da saúde pública no Brasil, é necessário fazer uma avaliação isenta e objetiva do programa Mais Médicos, sem ideologias nem reações emocionais.
É sempre oportuno lembrar que os problemas da saúde pública nas áreas desassistidas se acumulam há mais de duas décadas. Mais precisamente, desde que foram extintos, no Ministério da Saúde, o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu) e a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), criados em 1956 e 1970. Junto com a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), essas organizações de Estado davam suporte a um corpo de médicos sanitaristas de carreira, que exerciam uma função importante com relação não só às endemias, mas também à educação sanitária em comunidades afastadas e carentes.
Foram modelares os programas que contemplaram, de forma integrada, fossas sépticas, tratamento de água e educação sanitária, entre outros. Havia, pois, uma visão estrutural para a solução dos problemas de saúde pública, mesmo considerando a carência de recursos para investimentos e operação. Infelizmente, no governo Collor essas instituições e carreiras médicas foram desmanteladas e sua experiência acumulada se dispersou. A criação da Funasa deixou muito a desejar e se perdeu a visão dos médicos sanitaristas como merecedores de uma carreira de Estado, como têm os magistrados, diplomatas e militares.
Na gestão do ministro Adib Jatene foi criado o programa Médicos de Família, de alcance extraordinário na época, pela objetividade na concepção e condições de baixo custo na sua execução. Infelizmente, esse programa – que tinha visão de mudanças no longo prazo – foi também desestruturado, seguindo a terrível maldição das políticas publicas brasileiras de fazer malograr tudo o que dá certo.
A esta altura, é preciso separar bem e sem paixão a solução tapa-buraco, pela importação de médicos sub-remunerados e de qualificação duvidosa, do que seriam soluções sérias para cobrir de forma duradoura as deficiências dos serviços públicos de saúde, especialmente os que poderiam estar sendo prestados por médicos com carreiras de Estado estruturadas. É pertinente perguntar: 1) se os médicos cubanos terão permanência temporária, pois são impedidos de fixar residência no País, quem irá substituí-los?; 2) Se esses médicos não tiverem suporte de equipes e equipamentos, farão – só no curto prazo – o papel dos antigos médicos sanitaristas?; 3) Existe algum plano de estruturação de serviços de saúde, por meio de equipes multidisciplinares e equipamentos adequados, juntamente com a importação dos médicos?; e 4) Já se pensou em dar aos médicos brasileiros a oportunidade de uma carreira estruturada, com salários dignos e possibilidades de progressão, para alocá-los em áreas carentes, como se faz com magistrados e militares?
Infelizmente, em meio a tanta improvisação, como diria Nelson Rodrigues, o subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos...

*Josef Barat é economista, consultor de entidades públicas e privadas, é coordenador do Núcleo de Estudos Urbanos da Associação Comercial de São Paulo.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Com 7% de biodiesel no diesel, Petrobras teria economia de R$ 2,3 bi


07/02/14 - Aguardado para 2014, o aumento da mistura de biodiesel no diesel fóssil não deve ser implementado neste ano.

A medida, no entanto, poderia ajudar a Petrobras e dar sobrevida ao setor de biodiesel, que opera com metade da capacidade ociosa.

Hoje, o percentual de biodiesel no diesel está em 5%. Se a mistura fosse elevada para 7%, geraria uma economia de pelo menos R$ 2,3 bilhões à estatal em 2014, segundo cálculos de Daniel Furlan, gerente de economia da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais).

A estimativa considera o volume de diesel importado no ano passado e a taxa de câmbio média em 2013 (entre R$ 2,30 e R$ 2,35). Incluindo na conta um possível aumento de consumo neste ano e o dólar mais recente (ao redor de R$ 2,40), o impacto poderia ser ainda melhor para o caixa da Petrobras.

No ano passado, o Brasil importou o equivalente a US$ 8,3 bilhões em óleo diesel, um aumento de 24% em relação a 2012, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento.

As importações são necessárias porque a Petrobras opera no limite da sua capacidade de refino, enquanto o consumo nacional cresce em ritmo acelerado.

Como a logística no Brasil é altamente dependente do modal rodoviário, à medida que aumenta a necessidade de transporte, cresce também o consumo do óleo combustível. "O diesel caminha junto com a safra", diz Furlan.

Assim, a estatal não consegue abastecer o mercado interno com a produção local e precisa importar o combustível a preços maiores do que os praticados no país, o que provoca perdas.

Além de socorrer a Petrobras, o aumento da mistura ajudaria também usinas que foram construídas exclusivamente para a produção de biodiesel no primeiro mandato do presidente Lula, quando foi lançado o Programa Nacional de Biodiesel.

O plano era aumentar a mistura obrigatória ao longo dos anos. Em 2008, ela foi instituída em 2%, subiu para 5% em 2010 e parou. Hoje, as usinas operam com 50% da capacidade instalada ociosa.

Segundo Erasmo Batistte lla, presidente da Aprobio (Associação Brasileira dos Produtores de Biodiesel), três fábricas foram fechadas no fim do ano passado: a Grupal, em Mato Grosso, a Camera, no Rio Grande do Sul, e a Biopar, no Paraná.

Pelas estimativas de Daniel Furlan, da Abiove, se a mistura de biodiesel no diesel aumentasse para 7%, haveria um consumo adicional de 1,2 bilhão de litros de biodieselpor ano.

Em 2013, o consumo nacional foi de aproximadamente 3 bilhões de litros, segundo estimativa da Abiove.

Ele destaca que, além de absorver o excesso de oferta, o maior uso do biodiesel ajudaria a corrigir distorções tributárias na cadeia da soja, matéria-prima de 75% do biodieselproduzido no Brasil.

Com o biodiesel, empresas que atuam também no esmagamento da soja conseguem recuperar créditos tributários que ficam acumulados durante o processo produtivo.

Além do aumento imediato da mistura de 5% para 7%, o setor também reivindica um novo marco regulatório que possibilite um planejamento de longo prazo.

Tatiana Freitas
Fonte: Folha de S. Paulo

Pior seca em 50 anos muda vida da população às margens do Cantareira


23 de fevereiro de 2014 | 2h 06

Diego Zanchetta , enviado especial / Atibaia - O Estado de S.Paulo
Agricultores perderam suas safras e ficam à espera de um caminhão-pipa da prefeitura, famílias convivem com cheiro de esgoto, poços e minas estão secos e hoje há mato e pedras onde antes havia represas e cachoeiras. Quatro anos após as enchentes que obrigaram mais de 6 mil pessoas a deixar suas casas na região do Circuito das Águas, no interior paulista, a pior estiagem em 50 anos mudou a vida da população às margens dos principais mananciais do Estado, que normalmente estariam transbordando nesta época do ano.
Quem já foi resgatado de barco de sua residência, como o aposentado Alex Viegas, de 65 anos, agora vive sem água para lavar roupa e sob a ameaça de racionamento. "O Rio Atibaia secou de um jeito que nunca vi. O que era rio virou mato. Dá pra atravessar a pé em alguns lugares. Só tem pedra", conta. Nessas condições vive boa parte da população de cinco municípios visitados pelo Estado, todos cortados por rios que abastecem quase 10 milhões de paulistas: Itapeva e Extrema, em Minas, e Joanópolis, Atibaia e Bragança Paulista, no interior.
Viegas mora no Parque das Nações, bairro de classe média ao lado do Rio Atibaia. Nesta mesma época do ano em 2010, a água chegou a quase 2 metros de altura na rua onde ele mora. Como outros 1,3 mil moradores da área, ele ficou 40 dias fora de casa. Em 2011, os alagamentos voltaram a se repetir e, mais uma vez, o aposentado e seus vizinhos foram resgatados em botes da Defesa Civil.
O mesmo rio que transbordou virou um filete de água fétido, raso e cheio de esgoto. No quarteirão ao lado de onde mora Viegas, as marcas das enchentes ainda estão nas paredes do sobrado da dona de casa Maria Helena Xavier, de 40 anos, também resgatada de barco em 2010. "Aqui estou lavando roupa a cada 15 dias. Mas o pior é o cheiro de esgoto do rio. Muita gente continua jogando lixo no Atibaia com ele seco, e o cheiro de esgoto está no bairro inteiro", diz a dona de casa.
O trecho do Rio Atibaia que corta o Parque das Nações chegou a 4,27 metros de profundidade no verão de 2010. Na quinta-feira, o nível do manancial era de 72 centímetros.
Diante do colapso iminente no abastecimento, a prefeitura está multando quem lava as calçadas - o valor é equivalente à soma das últimas três contas de água do infrator. Há quatro anos, porém, o temor era outro: a mesma prefeitura e boa parte da cidade temiam que as represas do Sistema Cantareira, à época com nível de água em 99,8%, pudessem romper. Anteontem, os reservatórios baixaram para 17,7%.
Drama. A situação é ainda pior para agricultores, moradores e donos de pousadas que vivem ao longo dos 90 quilômetros do Rio Jaguari, a mais importante fonte de água para os paulistas. A agonia de quem vive do Jaguari pode ser observada desde as nascentes do manancial, no sul de Minas, até seu encontro com o Rio Camanducaia, em Jaguariúna, na região de Campinas. A vazão, que chegou a 50 metros cúbicos por segundo nas cheias de 2010, hoje está em 11 m³/s.
Agricultores de Itapeva, no sul de Minas, que perderam a safra de milho dependem hoje de duas visitas semanais de caminhões-pipa para conseguir tomar banho e cozinhar. As minas e poços secaram à medida que o nível do Jaguari também baixava. "Aqui nós não temos água mais. Tínhamos um poço para quatro famílias, de 25 metros de profundidade, que secou. O milho não teve adubo que resolveu, ficou pequeno demais. Perdemos tudo", conta a agricultora Irene Gercina, de 69 anos, que teve de sair de casa durante as enchentes de 2010.
Donos de pousadas na estância turística de Extrema, também no sul de Minas, estão à beira da falência após a Cachoeira do Salto, reduto de praticantes de rafting, praticamente secar. Outras cachoeiras e trechos do Rio Jaguari usados por praticantes de esportes radicais também estão com baixa vazão. "Em 2010, nós paramos porque a correnteza do rio era muito forte, encheu demais. Agora estamos parados por causa da seca", diz o operador de turismo Carlos Santana, de 39 anos.
Mais para baixo, em Bragança Paulista, o Rio Jaguari, de tão pequeno e raso, parece um córrego. Na zona rural do município, onde o manancial transbordou em 2010 e deixou 700 desabrigados, hoje é necessário fazer uma trilha pelo meio do mato para encontrar seu curso, escondido na mata fechada, com 86 centímetros de profundidade.
"Nem os lambarizinhos conseguem mais nadar, está muito raso mesmo. Estou com medo é de quando chegar o inverno. Aí, sim, o Jaguari vai sumir de vez", lamenta o agricultor Salmo Ceni, de 49 anos, todos vividos às margens do Jaguari.
Silêncio. Procurados pela reportagem, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) do Estado informaram, na sexta-feira, não ter porta-vozes disponíveis para comentar a estiagem que afeta os principais reservatórios do Estado.