domingo, 30 de setembro de 2012

'E discípula, também'


O Estado de S.Paulo
JUAN ARIAS
A opinião pública teve sua atenção voltada para uma frase contida num fragmento de papiro escrito em copta, língua do antigo Egito, revelado por Karen King, da Universidade Harvard, em Boston, uma das maiores autoridades mundiais em história do cristianismo.
A frase é aquela em que Jesus, falando aos discípulos, refere-se a "minha mulher", confirmando a tese de que o profeta judeu, que deu origem ao cristianismo, seria casado.
Entretanto, no mesmo papiro, os especialistas decifraram outra frase que, na minha opinião, é ainda mais importante. É aquela em que Jesus diz aos discípulos: "Ela pode ser minha discípula também".
Ele se referia a Maria Madalena. Por que esse "também"? Explico.
A frase nos leva a pensar que o papiro seria um fragmento de um evangelho gnóstico que remonta ao século 2º, e não de um evangelho apócrifo, como alguns quiseram pensar para diminuir a importância do mesmo.
Os evangelhos gnósticos são importantíssimos para se conhecer o nascimento do cristianismo e as primeiras lutas dialéticas entre as correntes filosóficas e teológicas das primeiras comunidades cristãs. Revelam uma corrente de pensamento alheia ao judaísmo clássico e ortodoxo que acabou fazendo parte do primeiro ideário cristão. E é nesses evangelhos que os apóstolos falam abertamente do matrimônio de Jesus com a gnóstica iluminada Maria de Magdala e das disputas e ciúmes dos apóstolos, concretamente de Pedro, em relação ao tratamento íntimo que o Mestre dava àquela mulher, que provavelmente nem era judia e a quem, segundo afirma Pedro, "ele revelava segredos" que escondia deles.
Os apóstolos não viam com bons olhos o fato de Madalena ser tida como a escolhida entre as mulheres (essas sim, judias) que acompanhavam Jesus como uma espécie de discípulas nas peregrinações. Madalena era aquela com quem ele mais se abria sobre as novas ideias do Reino de Deus que pregava pelas aldeias da Galileia.
O que ocorre é que Maria de Magdala - que um dia foi confundida até mesmo pela Igreja como a prostituta dos evangelhos - era diferente. Com ela Jesus mantinha uma intimidade especial.
Essa frase do papiro de Karen, "ela pode ser minha discípula também", é um eco das disputas com os apóstolos sobre a admissão daquela mulher gnóstica na comunidade apostólica. Jesus confirma que ela, apesar de pertencer provavelmente a uma seita diferente da judaica tradicional, podia ser "também", ou igualmente, sua discípula.
Hoje sabemos a importância do complexo pensamento filosófico e teológico gnóstico na formação do cristianismo original e o papel proeminente de Maria Madalena, a quem, segundo os evangelhos gnósticos, Jesus "beijava na boca". Uma expressão que, além da intimidade afetiva e sexual, revela um importante simbolismo, pois segundo os gnósticos o conhecimento se transmite através do beijo.
A diferença fundamental entre o pensamento oferecido ao cristianismo primitivo por Paulo de Tarso e o pensamento gnóstico reside no fato de que, enquanto para o judeu perseguidor de cristãos convertido ao cristianism, e depois perseguidor de judeus, o que importa é a "teologia da cruz", segundo a qual o mal do mundo tem origem "no pecado". Para os gnósticos, ao contrário, o mal do mundo decorre da "falta de conhecimento" e sabedoria. De algum modo, a teologia de Paulo, que acabou triunfando, se fundamenta no sacrifício, ao passo que a gnóstica se baseia na felicidade que nasce da sabedoria e compreensão do mundo.
A corrente gnóstica era mais feminina e liderada por Maria Madalena. Por isso, nas primeiras comunidades cristãs no século 1º, a importância das mulheres se tornara fundamental. As primeiras eucaristias foram celebradas nas casas e elas, como os homens, eram sacerdotisas e até bispas, como se desprende das pinturas do século 3º existentes em algumas catacumbas de Roma que somente especialistas podem ver.
Mas aos poucos o pensamento teológico de Paulo de Tarso, bem mais misógino, acabou por se impor, nascendo assim a hierarquia masculina, que acabou relegando as mulheres a segundo plano.
Foi então que a corrente gnóstica passou a ser perseguida e seus escritos, queimados - menos alguns, que monges esconderam, enterraram e só foram descobertos há algumas décadas. Entre eles está o Evangelho de Maria Madalena, escrito por ela.
Nos primeiros séculos os evangelhos gnósticos tinham a mesma importância que os quatro canônicos e isso é demonstrado pelo fato de os padres da Igreja os qualificarem em seus escritos como autênticos. Sabemos da existência de alguns desses evangelhos, desaparecidos para sempre, justamente por essas citações.
Poucos teólogos cristãos e sobretudo estudiosos da Bíblia duvidam do matrimônio de Jesus com a gnóstica Maria Madalena. A igreja oficial sabe e por isso não se atreve a condenar os livros que defendem essa tese, como o meu, Madalena, o Último Tabu do Cristianismo, que prova a intimidade de Jesus com aquela mulher de Magdala com uma análise hermenêutica não apenas dos evangelhos gnósticos, mas também dos canônicos.
Uma prova irrefutável é o fato de que Jesus, recém ressuscitado, não apareceu para Pedro e os demais apóstolos, como seria normal, mas para Madalena, quando naquele tempo uma mulher não era confiável nem como testemunha em juízo. Por isso Pedro não acredita em Madalena e ele próprio se dirige à tumba para confirmar que ela estava vazia.
Até São Tomás de Aquino passou toda a vida perguntando-se por que Jesus não apareceu primeiro para Pedro. Pela simples razão de que Madalena era não só sua esposa, mas a discípula predileta, a depositária dos seus segredos. Lendo meu livro, o escritor José Saramago, Nobel de Literatura, disse a sua mulher, Pilar del Río: "É evidente. Se, ao morrer, eu pudesse aparecer para alguém, o faria para você, a pessoa a quem mais amo".
Hoje a Igreja, que mais do que fundada por Jesus o foi por Paulo de Tarso, seria muito diferente caso tivesse prevalecido a corrente gnóstica que esteve a ponto de eleger um dos primeiros papas.
E as mulheres não continuariam relegadas pela Igreja, impossibilitadas de exercer o sacerdócio, quando no cristianismo mais original o papel delas era fundamental.
Jesus, na realidade, jamais pensou em fundar uma nova religião. Era judeu, de nascimento e fé. Seu desejo era que o judaísmo, a primeira grande religião monoteísta da história, não ficasse restrito apenas aos judeus, mas abrisse suas portas para todos, pois Deus era "pai de toda a humanidade", e não só do povo eleito.
As ideias originais e revolucionárias de Jesus, que as mulheres então compreendiam melhor do que os homens, foram se perdendo ao longo dos séculos a ponto de um teólogo latino-americano chegar a dizer que as ideias do profeta de Nazaré eram tão subversivas que "criaram uma Igreja para combatê-las".
Jesus queria que Madalena fosse "também" sua discípula, como os discípulos varões. Daí a importância do papiro de Karen.
Ele não fundou uma Igreja hierárquica, muito menos machista. Os evangelhos inspirados e aprovados pela Igreja o descrevem como um judeu pouco ortodoxo, "amigo de pecadores e prostitutas". Jesus amava as mulheres e fez delas o gérmen da sua nova doutrina, a doutrina do amor universal, do perdão e da felicidade.
Aos poucos aquela ideia original foi morrendo pelo caminho, sob o peso de uma Igreja copiada do Império Romano, masculina, de celibatários, mais baseada no Direito Canônico, nas leis e proibições do que no "Espírito que sopra em toda parte" de que Jesus falava e que já naquela época as mulheres entendiam melhor que os apóstolos. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Por que os paulistanos preferem carro ao metrô?


 Estado de S.Paulo
O transporte público de São Paulo já foi responsável por 70% das viagens diárias. Esse porcentual caiu gradativamente, conforme a frota de carros aumentou, a ponto de, em 1997, responder por menos da metade das viagens diárias.
O que voltou a torná-lo atrativo foi a integração tarifária entre trens, metrô e ônibus, que ocorreu em 2004. Com a tarifa mais barata, mais pessoas voltaram ao transporte público e, atualmente, cerca de 56% dos habitantes da metrópole fazem viagens sem carro.
Em tempos de IPI reduzido e venda de automóveis batendo recorde sobre recorde, listamos cinco motivos que fazem as pessoas se afastarem dos trilhos e enfrentar os congestionamentos - e os picos nas sextas com chuva. / ARTUR RODRIGUES e BRUNO RIBEIRO

MEC: 'Educação não é sabonete' juros do cartão


 Estado de S.Paulo 24 set 2012
Os empresários do ensino superior privado estão se mobilizando para barrar um projeto de lei de autoria do Ministério da Educação que propõe a criação de uma nova autarquia para fiscalizar as entidades do setor. Entre os artigos mais polêmicos, está o que determina que fusões e aquisições de empresas de educação terão de ser aprovados previamente pela autarquia - além de continuar passando pelo crivo do Cade.
"O texto é confuso e não explica, por exemplo, sob que ótica as negociações serão avaliadas", diz Hermes Figueiredo, presidente do sindicato que reúne as empresas de São Paulo e dono da Universidade Cruzeiro do Sul. "Os processos já são morosos e o Cade também já interfere fortemente. Não entendemos a necessidade disso", afirma a executiva da Kroton, Gislaine Moreno. Amanhã, alguns dos principais executivos do setor devem se reunir em Brasília com representantes do MEC para discutir o assunto.
Sobre a crítica dos empresários, o ministro da Educação Aloizio Mercadante foi enfático: "Educação não é sabonete". Ele ressaltou que 75% dos estudantes do ensino superior estão em instituições privadas e boa parte deles integra programas do governo federal. "Não se trata de um setor da economia que produz sabão, mas que forma a maioria de nossa juventude. Portanto, precisa ser monitorado."
ENERGIA
Empresas do setor perdem uma JBS na bolsa em 2012
As 36 empresas de capital aberto que atuam no setor de energia viram seu valor de mercado despencar R$ 18 bilhões durante 2012, segundo levantamento da consultoria Economática. Foi como se o setor tivesse perdido o equivalente a uma JBS entre janeiro e setembro. Parte considerável dessa queda é reflexo das medidas anunciadas recentemente pelo governo federal para redução das tarifas de energia elétrica, que geraram um clima enorme de insegurança no setor.
CONSTRUÇÃO
A dura vida da Gafisa
Quando parece que a construtora está caminhando para solucionar um problema, esbarra em outro. Já faz quase duas semanas que o banco Rothschild está nas ruas com um mandato de venda de Alphaville - a empresa de loteamentos que mais tem dado alegria à Gafisa nos últimos meses e também uma das mais cobiçadas do mercado imobiliário. Mas são poucas as concorrentes que teriam condições, neste momento, de desembolsar o que a Gafisa está pedindo por Alphaville - algo em torno de R$ 1,8 bilhão. Quase todas as companhias do setor estão concentradas em entregar empreendimentos atrasados e organizar a casa. Cyrela, MRV e Eztec seriam as candidatas mais prováveis, mas o preço assustou, segundo uma fonte que tem acompanhando de perto as negociações. O valor pedido por Alphaville é sete vezes o seu patrimônio líquido. A Eztec, por exemplo, que é uma das empresas mais rentáveis do setor, vale na bolsa duas vezes o seu patrimônio. A Gafisa não comenta o assunto.

Os retalhos de uma trajetória de empreendedorismo


O Estado de S.Paulo
O casal de judeus poloneses recém-chegados ao Brasil, Szaja e Chaja Mindla Szajman não sabia nada de português. Os dois foram acordados numa noite de 1940 e obrigados a sair de casa, com a roupa de dormir. Não tinham nem como perguntar o que estava acontecendo: Adhemar de Barros, interventor federal no Estado de São Paulo, tinha decidido que a rua em que os imigrantes moravam, no Bom Retiro, ia dar lugar à "Zona de confinamento das prostitutas". Juntamente com todos os moradores da rua, os pais do hoje empresário Abram Szajman estavam sendo despejados de surpresa, no meio da madrugada.
Recheado de casos como esse, que acabam retomando a história da cidade de São Paulo, o livro Alguns retalhos - Abram Szajman: A Construção De Um Homem e De Seu Legado, escrito pelo jornalista e editorialista do Estado, Jorge J. Okubaro, conta a trajetória do presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP), cargo que Szajman ocupa desde 1984.
A carreira do empresário no comércio, como conta a obra que está sendo lançada hoje, às 18h30, na sede da Fecomércio (Rua Dr. Plínio Barreto, 285, Bela Vista), começou bem antes. Aos dez anos de idade, Szajman começou a trabalhar como office-boy na loja de malhas de um tio, que havia migrado para o Brasil anos antes de seus pais. Aos dezoito anos, já era gerente. Quando o tio faleceu, assumiu o negócio e, poucos anos depois, montou sua própria loja.
O grande salto aconteceu nos anos 70. Convidado por um amigo, Szajman decidiu entrar em um ramo que ainda era novidade: o de vale-refeições. Foi quando a VR, mais tarde Grupo VR, nasceu. A empresa cresceu tanto que, em 2008, o empresário vendeu a divisão de vale-refeição e alimentação para a francesa Sodexo por R$ 1,03 bilhão.
Diversificação. Szajman tem no seu histórico a atuação em várias áreas de negócios. Chegou a ter 19% do antigo Mappin. Também foi o segundo maior acionista do Banco Real. Recentemente, com mais de 70 anos, o empresário decidiu se aventurar por um novo ramo: o imobiliário. Em 2010, quando o setor viveu um dos seus melhores momentos, Szajman comprou uma participação na Yuny Incorporadora. Também investiu R$ 60 milhões em um novo produto voltado para o mercado de meio de pagamentos.


Um perfil de Clarence Seedorf, um cidadão do mundo


GONÇALO JUNIOR - O Estado de S.Paulo
SÃO PAULO - Bebês prematuros, aqueles que nascem antes das 38 semanas de gestação, normalmente não conseguem respirar sozinhos. Sofrem de apneia (ausência de respiração), gemem bastante e até podem ficar roxos nos momentos de crise. Por isso, precisam de cuidados especiais o tempo todo. A construção de uma unidade neonatal respiratória no Hospital Acadêmico de Paramaribo, capital do Suriname, contribuiu com a redução de 30% da mortalidade dos prematuros desde 2005. Tudo por causa de aparelhos mais modernos e que facilitam os cuidados com os pulmões dos pequeninos surinameses.
Veja também:
link TÓPICO - Botafogo
Clarence Seedorf: meia do Botafogo - Fábio Motta/AE
Fábio Motta/AE
Clarence Seedorf: meia do Botafogo
Você não está lendo o texto errado. Foi Clarence Seedorf, a maior contratação da história do Botafogo, que financiou a reforma de R$ 300 mil do hospital por meio de sua fundação Champions for Children, instituição sem fins lucrativos que desenvolve projetos sociais no mundo todo, começando pelo Suriname, terra natal do jogador. O camisa 10 participou da cerimônia de inauguração do setor e visitou o país duas vezes para acompanhar os trabalhos. Logo apoiada pelo governo, a iniciativa acelerou um processo que levaria entre cinco e dez anos de acordo com os profissionais do hospital.
Seedorf é assim: quando o procuramos no campo, está cuidando dos projetos sociais. Quando achamos que está no Brasil, está no Suriname. Ou na Itália. Ou nos Estados Unidos. Tem uma grande ação para cada um dos sete idiomas que fala (português, holandês, francês, inglês, italiano, espanhol e o crioulo).
O berço vem em primeiro lugar. A inscrição "mi sab' dat mi lob Srana" (sei que amo o Suriname) está na entrada da unidade neonatal. Seedorf nasceu em 1975, um ano depois da independência do País, saiu ainda jovem e adotou a cidadania do colonizador, a Holanda. Mesmo assim, transformou em lenda o sobrenome do avô, filho de escravos que, apesar da alforria, carregou o Seedorf do antigo senhor alemão.
Daria para fazer um livro sobre os projetos sociais de Seedorf, mas, por questões de espaço, vai tudo em sete linhas: a Champions for Children possui seis projetos em vários países, entre eles, Camboja, Quênia e Brasil. Em Salvador, o craque investiu 50 mil na construção de um centro de recreação e esportes no bairro de Alagados, um dos mais pobres da Bahia.
Esse comprometimento chegou aos ouvidos de Nelson Mandela. Em 2009, o jogador foi condecorado como membro do "Champions Legacy", grupo que ajuda a manter o legado do líder sul-africano. São só bambambãs, como David Rockefeller e Bill Clinton, que se destacam por esforços filantrópicos no mundo. E Seedorf muda para o inglês.
"Testemunhar a fome que estrangulava a Etiópia na década de 80, quando eu era apenas uma criança, teve um efeito profundo em mim e despertou meu desejo de dar forma ao meu destino", declara em tom solene na apresentação de sua fundação.
AMOR
Entre tantas línguas, o coração do craque escolheu a de Camões. Ou melhor, a de Neguinho da Beija-flor. Quando Seedorf e a brasileira Luviana completaram sete anos de casamento, o holandês preparou uma festa surpresa em Milão. Mandou chamar o puxador de samba e pediu que cantasse a preferida da amada: a música Negra Ângela (Hoje eu vi um lindo negro anjo/Anjo negro, lindo anjo/Negra Ângela).
Esse foi um dos pontos altos de uma história de conto de fadas. Os dois se conheceram no início da década de 90, quando Luviana, então passista de Mocidade Independente de Padre Miguel, viajou com a escola para uma temporada de shows na Itália. Ela era de família humilde, moradora do Realengo que ganhava a vida com apresentações como mulata. "Foi o casamento de um príncipe e uma princesa", derrete-se o compositor Jorginho Estrela Negra, uma espécie de cupido e amigo do casal até hoje.
Jorginho conta que Luviana é uma primeira dama com jeito de primeira ministra. Foi ela quem bateu o pé para que o jogador aceitasse a proposta do Botafogo, deixando de lado uma oferta salarial de R$ 1,5 milhão por mês do chinês Guangzhou Evergrande, mesmo time do argentino Darío Conca, além de outras propostas de cair o queixo da Inglaterra, Estados e Unidos e Catar. Seedorf balançou, mas cedeu (no Botafogo, recebe por volta de R$ 700 mil de salário, além de luvas de R$ 1,5 milhão). "Prevaleceu a vontade dela de voltar ao Brasil e vê-lo no seu time do coração".
O desejo de Luviana foi compartilhado por duas mil pessoas, que foram ao aeroporto para recebê-lo em julho, quando assinou contrato de dois anos. E o exército de "seedorfianos" não para de crescer. Em apenas três meses no Botafogo, Seedorf conseguiu resgatar parte do orgulho dos torcedores, que amargam um jejum de 17 anos sem títulos nacionais. Levantamento do departamento de Marketing do clube aponta que o número de sócios-torcedores triplicou, passando de quatro para 12 mil desde que o holandês chegou. "O torcedor reagiu à chegada do Seedorf quase como se fosse um título", compara o diretor de Marketing Marcelo Guimarães.


PROSA E POESIA 
O  holandês não joga só com o nome. Ele fica no meio do caminho entre a prosa europeia (direta, vertical, rumo ao gol) e a poesia latina (a imprevisibilidade do drible). No Campeonato Brasileiro, vem se reinventando como atacante. Jogando mais avançado, marcou sete gols em 14 jogos - faltam três para ele quebrar seu recorde em uma temporada. "Ele é parecido com o Chico Buarque: quietinho, na dele, mas agrada todo mundo", comparou o técnico Oswaldo de Oliveira. "Todos falam que penso e jogo como brasileiro e isso está me ajudando", diz o atleta que passou as férias no Rio nos últimos dez anos.
Seedorf está aqui, mas continua em todo lugar, em sete idiomas. A assessoria de imprensa do Botafogo tem um calhamaço com 40 solicitações de entrevistas, entre elas, da Holanda, Itália e até Austrália. No Suriname, o apresentador de TV Desney Romeo afirma que a audiência do seu programa semanal "Futebol no Brasil", transmitido às segundas-feiras pela emissora ABC, aumentou com a contratação do meia. Como o Suriname ainda tem dificuldades para medir a audiência, o apresentador se baseia na participação ao vivo dos telespectadores para tirar a conclusão. "Na próxima semana, vou sortear uma camisa do Botafogo", orgulha-se.
Essa camisa ainda não é tão comum como a do Milan, Ajax, alguns dos times que Seedorf defendeu. O clube carioca ocupa poucas linhas em sua biografia. Pudera. Esse amor tem apenas três meses, é prematuro e ainda não consegue respirar direito. Precisa de cuidados especiais em uma unidade neonatal. Mas Clarence já está cuidando dos sofridos pulmões dos botafoguenses.
OS NÚMEROS DE SEEDORF
7 IDIOMAS - Clarence Seedorf fala fluentemente holandês, francês, inglês, italiano, espanhol, crioulo e  português.
36 ANOS - É a idade do craque do Botafogo, que nasceu um ano depois da independência do Suriname, seu país de origem e ex-colônia holandesa.
R$ 700 MIL - É o salário mesnal do holandês, que recusou o dobro para jogar na China. Estados Unidos, Inglaterra e Catar também fizeram propostas milionárias para contratá-lo.
12 MIL - É o número de sócios-torcedores cadastrados hoje no Botafogo. Antes da chegada do craque holandês, três meses atrás, o número era de apenas 4 mil sócios-torcedores.
10 ANOS - Foi o período que Seedorf jogou no Milan, no qual conquistou duas Copas dos Campeões. Ele também defendeu o Ajax, Sampdoria, Real Madrid e Inter de Milão.
16 ANOS - Eera a idade de Seedorf quando iniciou sua carreira no Ajax, em 1992. Na Holanda, estreou aos 18 anos.  

A hora da saideira


JOÃO UBALDO RIBEIRO - O Estado de S.Paulo
Na semana passada, li um artigo do professor Marco Antonio Villa, que não conheço pessoalmente, mostrando, em última análise, como a era Lula está passando, ou até já passou quase inteiramente, o que talvez venha a ser sublinhado pelos resultados das eleições. Achei-o muito oportuno e necessário, porque mostra algo que muita gente, inclusive os políticos não comprometidos diretamente com o ex-presidente, já está observando há algum tempo, mas ainda não juntou todos os indícios, nem traçou o panorama completo.
O PT que nós conhecíamos, de princípios bem definidos e inabaláveis e de uma postura ética quase santimonial, constituindo uma identidade clara, acabou de desaparecer depois da primeira posse do ex-presidente. Hoje sua identidade é a mesma de qualquer dos outros partidos brasileiros, todos peças da mesma máquina pervertida, sem perfil ideológico ou programático, declamando objetivos vagos e fáceis, tais como "vamos cuidar da população carente", "investiremos em saneamento básico e saúde", "levaremos educação a todos os brasileiros" e outras banalidades genéricas, com as quais todo mundo concorda sem nem pensar. No terreno prático, a luta não é pelo bem público, nem para efetivamente mudar coisa alguma, mas para chegar ao poder pelo poder, não importando se com isso se incorre em traição a ideais antes apregoados com fervor e se celebram acordos interesseiros e indecentes.
A famosa governabilidade levou o PT, capitaneado por seu líder, a alianças, acordos e práticas veementemente condenadas e denunciadas por ele, antes de chegar ao poder. O "todo mundo faz" passou a ser explicação e justificativa para atos ilegítimos, ilegais ou indecorosos. O presidente, à testa de uma votação consagradora, não trouxe consigo a vontade de verdadeiramente realizar as reformas de que todos sabemos que o Brasil precisa - e o PT ostentava saber mais do que ninguém. No entanto, cadê reforma tributária, reforma política, reforma administrativa, cadê as antigas reformas de base, enfim? O ex-presidente não foi levado ao poder por uma revolução, mas num contexto democrático e teria de vencer sérios obstáculos para a consecução dessas reformas. Mas tais obstáculos sempre existem para quem pretende mudanças e, afinal, foi para isso que muitos de seus eleitores votaram nele.
O resultado logo se fez ver. Extinguiu-se a chama inovadora do PT, sobrou o lulismo. Mas que é o lulismo? A que corpo de ideias aderem aqueles que abraçam o lulismo? Que valores prezam, que pretendem para o País, que programa ou filosofia de governo abraçam, que bandeiras desfraldam além do bolsa família (de cujo crescimento em número de beneficiados os governantes petistas se gabam, quando o lógico seria que se envergonhassem, pois esse número devia diminuir e não aumentar, se bolsa família realmente resolvesse alguma coisa) e de outras ações pontuais e quase de improviso? É forçoso concluir que o lulismo não tem conteúdo, não é nada além do permanente empenho em manter o ex-presidente numa posição de poder e influência. O lulismo é Lula, o que ele fizer, o que quiser, o que preferir.
Isso não se sustenta, a não ser num regime totalitário ou de culto à personalidade semirreligioso. No momento em que o ex-presidente não for mais percebido como detentor de uma boa chave para posições de prestígio, seu abandono será crescente, pois nem mesmo implica renegar princípios ou ideais. Ele agora é político de um partido como qualquer outro e, se deixou alguma marca na vida política brasileira, esta terá sido, essencialmente, a tal "visão pragmática", que na verdade consiste em fazer praticamente qualquer negócio para se sustentar no poder e que ele levou a extremos, principalmente considerando as longínquas raízes éticas do PT. Para não falar nas consequências do mensalão, cujo desenrolar ainda pode revelar muitas surpresas.
O lulismo, não o hoje desfigurado petismo, tem reagido, é natural. Os muitos que ainda se beneficiam dele obviamente não querem abdicar do que conquistaram. Mas encontram dificuldades em admitir que sua motivação é essa, fica meio chato. E não vêm obtendo muito êxito em seus esforços, porque apoiar o lulismo significa não apoiar nada, a não ser o próprio Lula e seu projeto pessoal de continuar mandando e, juntamente com seu círculo de acólitos, fazendo o que estiver de acordo com esse projeto. Chegam mesmo à esquisita alegação de que há um golpe em andamento, como se alguém estivesse sugerindo a deposição da presidente Dilma. Que golpe? Um processo legítimo, conduzido dentro dos limites institucionais? Então foi golpe o impeachment de Collor e haverá golpe sempre que um governante for legitimamente cassado? Os alarmes de golpe, parecendo tirados de um jornal de 30 ou 40 anos atrás, são um pseudoargumento patético e até suspeito, mesmo porque o ex-presidente não está ocupando nenhum cargo público.
É triste sair do poder, como se infere da resistência renhida, obstinada e muitas vezes melancólica que seus ocupantes opõem a deixar de exercê-lo. O poder político não é conferido por resultados de pesquisas de popularidade; deve-se, em nosso caso presente, aos resultados de eleições. O lulismo talvez acredite possuir alguma substância, mas os acontecimentos terminarão por evidenciar o oposto dessa presunção voluntarista. Trata-se apenas de um homem - e de um homem cujas prioridades parecem encerrar-se nele mesmo. Mas sua saída de cena não deverá ser levada a cabo com resignação. Ele insistirá e talvez ainda o vejamos perder outra eleição em São Paulo. Não a do Haddad, que aparentemente já perdeu. Mas a dele mesmo, depois que o mundo der mais algumas voltas e ele quiser iniciar uma jornada de volta ao topo, com esse fito candidatando-se à Prefeitura de São Paulo.

A nobre irmandade


VERISSIMO - O Estado de S.Paulo
Tese: o clima frio favoreceu o crescimento de civilizações mais avançadas porque os habitantes de climas frios passavam mais tempo contemplando o fogo. Os povos de climas quentes tinham menos necessidade de fogo para aquecê-los, por isso foram privados das divagações que vêm com a contemplação do fogo e são menos filosóficos e mais superficiais. Nos climas frios, de tanto olhar as chamas qualquer pessoa acabaria desenvolvendo, se não escatologias ou sistemas ontológicos completos, pelo menos teorias.
0 0 0
Os povos de clima quente têm a experiência direta do sol na cabeça, os de clima frio experimentavam o sol armazenado na madeira, portanto o sol intermediado, reciclado pelo tempo. O fogo armazenado é o sol de segunda mão, quase uma versão literária. Olhar para o sol transformado em fogo domesticado leva a abstrações e ponderações, olhar para o sol original leva à cegueira. Mas tanto o sol vivo no céu quanto o sol ressuscitado no fogo podem destruir o cérebro, um fritando-o e outro levando-o para tão longe que ele quase se eteriza. Não há Einsteins em regiões tropicais, mas também não há muitos cientistas loucos. Abstrações e ponderações em overdose também podem ser fatais. Contemplar muito o fogo também enlouquece.
0 0 0
A combustão da madeira, sendo consumida pelo fogo do sol que absorveu a vida toda, é uma metáfora para a existência: você também é consumido pela que lhe dá energia - mais ou menos rapidamente, dependendo de ser graveto ou nó de pinho. Se envelhecer é ir ficando cada vez mais grave, só atingiremos nossa verdadeira seriedade depois de mortos, quando nos juntaremos aos fósseis. Também levaremos energia aprisionada para baixo da terra e seremos como o carvão, o petróleo e os restos degradados de tudo que já viveu, integrados na capa explosiva do planeta - o que pode ser mais sério?
0 0 0
Toda matéria orgânica, da jabuticaba ao papa, almeja isso, essa respeitabilidade subterrânea, essa dignidade de mineral depois da frivolidade efêmera da vida. Do barro viemos e ao barro voltaremos, mas agora em outra categoria, depois da nossa temporada ao sol: a de combustível. Entendo quem prefira a cremação (que é quando a nossa identificação com lenha fica mais completa) mas eu quero tudo a que tenho direito depois de morto. Decomposição, gazes - enfim, minha iniciação na nobre irmandade dos inflamáveis.
0 0 0
Olhar o fogo devia inflamar a imaginação de quem o contemplava, no tempo das cavernas, e via nele fantasmas e presságios. O fogo era, de certa forma, a televisão da pré-história - com uma programação muito melhor.

32 parques eólicos leiloados em 2009 estão parados


AE - Agencia Estado
SÃO PAULO - Quase metade das usinas licitadas no primeiro leilão de energia eólica do Brasil está pronta sem poder gerar um único megawatt (MW) de eletricidade. Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostram que 32 dos 71 parques eólicos leiloados em 2009 estão parados por causa da falta de linhas de transmissão. "Houve um descasamento entre a entrega das usinas e do sistema de transmissão", afirmou o diretor da agência reguladora, Romeu Rufino.
A Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), estatal do Grupo Eletrobrás, venceu o leilão das linhas de transmissão, mas não concluiu nenhum projeto - em alguns casos, nem iniciou as obras. Pelas regras do contrato, o sistema de transmissão teria de ser concluído na mesma data dos parques eólicos para permitir o início dos testes. Mas, na melhor das hipóteses, a conexão com as usinas apenas se dará em julho do ano que vem.
Consequentemente, as obras do sistema de transmissão dos parques licitados em 2010 também ficarão comprometidas. No mercado, algumas empresas foram informadas de que os cronogramas de empreendimentos marcados para setembro de 2013 foram estendidos para janeiro de 2015.
Rufino afirmou que a Aneel tem discutido constantemente com a estatal para tentar resolver o problema e diminuir os impactos para o consumidor.
Segundo ele, não está descartada a possibilidade de fazer uma instalação provisória enquanto a definitiva não é concluída. Apesar de não poderem produzir energia, as geradoras terão direito de receber a receita fixa prevista nos contratos de concessão. Pelos cálculos da Aneel, as 32 usinas têm receitas de R$ 370 milhões a receber. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Energia eólica à espera de linhas no Sertão baiano

Equipamentos só vão iniciar geração em julho de 2013

29 de setembro de 2012 | 17h 11
Renée Pereira, de O Estado de S. Paulo
CAETITÉ E GUANAMBI (BA)- O cenário daquela manhã de 9 de julho era perfeito para a inauguração do maior complexo eólico da América Latina, na região de Caetité, no sudoeste da Bahia. O céu estava límpido, o sol a pino e ventava como nunca. Em tendas brancas, construídas no pé dos cataventos gigantes, cerca de 400 personalidades do meio político, técnicos do setor elétrico e moradores da região se acomodavam para testemunhar a nova realidade da caatinga. Mas a festa não foi completa. Nenhum aerogerador pode ser acionado. Desde então, eles estão lá, fincados na terra seca e vermelha do sertão sem poder gerar um único megawatt. Viraram enfeites.
O vento continua a soprar forte. Só esqueceram de construir o sistema de transmissão para escoar a energia gerada. Neste complexo, 184 aerogeradores, divididos em 14 parques eólicos, estão parados há dois meses por falta de conexão. E devem continuar assim, pelo menos até julho do ano que vem. No lugar onde deveria existir uma subestação para conectar a usina ao sistema nacional, há apenas mato e cupinzeiros. Pior: não há nenhuma indicação de que as obras serão iniciadas em breve.
Enquanto isso, quase 300 megawatts (MW) - suficientes para abastecer uma cidade do tamanho de Brasília - estão sendo desperdiçados por falta de planejamento. Construído pela Renova Energia, empresa com participação da Light e da Cemig, o complexo Alto Sertão 1 custou R$ 1,2 bilhão e demorou 17 meses para ser concluído.
Embora a Renova tenha cumprido o prazo para entrega do complexo eólico, a estatal Chesf, do Grupo Eletrobrás, não honrou o compromisso para a construção do sistema de transmissão. Procurada, a empresa não respondeu ao pedido de entrevista. Mas, nos bastidores, executivos afirmam que ela costuma jogar a culpa do atraso na demora - de seis meses - do governo para realizar o leilão de transmissão. Também reclama do licenciamento ambiental, apesar de ter entrado com o pedido poucos meses antes de os parques serem entregues.
O diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Romeu Rufino, diz que não é possível aceitar essa explicação. "Não é um atraso de um dia. São meses. Quando o leilão foi realizado, o edital mostrava todas as condições. Se a empresa considerava o prazo curto, não deveria ter dado o lance." Rufino diz ainda que o processo de licenciamento ambiental é uma obrigação, uma responsabilidade do empreendedor.
Sem a obra, os parques mais parecem esqueletos no meio do sertão. Cada aerogerador pesa 243,7 toneladas. A torre, que suporta o gerador e as três pás, mede 80 metros de altura e é sustentada por uma base de concreto de quase 3 metros de profundidade.
O coordenador de Implantação em Campo da Renova, em Caetité, Roberto Lopes, conta que o mais complicado na construção foi a logística. Todos os equipamentos usados na montagem dos 14 parques eólicos foram fabricados fora da região. As pás, por exemplo, saíam do interior de São Paulo de caminhão até o Porto de Santos, onde eram embarcadas em navios. Chegando em Ilhéus, mais uma vez a carga era transferida para caminhões até chegar à região.
Outra dificuldade foi abrir caminho até os locais onde seriam instalados os aerogeradores. Apesar de o equipamento girar 360 graus para captar todo o potencial do vento, independentemente da direção que vier, o local para instalação de cada torre é milimetricamente calculado. No caso da Renova, elas foram montadas no topo de morros, que ficam a mais de 860 metros acima do nível do mar. Para chegar até lá, tiveram de abrir 68 quilômetros de estradas.
Muitos dos acessos serão aproveitados nos próximos parques da empresa no sertão baiano. No total, são mais 230 aerogeradores, e 100 deles começam a ser construídos dentro de dois meses. A esperança é que, dessa vez, as unidades entrem em operação ao mesmo tempo que as subestações. Assim, a empresa poderá fazer a festa completa no dia da inauguração.
Consumidor é quem vai pagar a conta do atraso
Quem vai pagar a conta pelo atraso das obras de transmissão da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) é o consumidor brasileiro. Pelas regras do edital de licitação, as geradoras que concluíram os parques eólicos até 1.º de julho deste ano têm direito a receber uma receita fixa prevista no contrato. No total, são 32 usinas prontas e paradas em todo o Brasil, que somam R$ 370 milhões de receitas a receber. Ou seja, o consumidor terá de pagar por uma energia que não está sendo produzida porque a Chesf nem começou a fazer a sua obrigação.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) entende que a estatal tem de ser responsabilizada pelo atraso na entrega de três sistemas de transmissão, que incluem as subestações e as linhas. São elas: Acaraú II, Igaporã e João Câmara. Até agora, a Aneel já emitiu três autos de infração contra a estatal, no valor de R$ 10,9 milhões.
Na penúltima reunião da diretoria, a agência autorizou a Procuradoria-Geral da República a entrar com uma ação judicial contra a Chesf. Segundo o diretor da Aneel, Romeu Rufino, a ideia seria pedir uma indenização à empresa para não onerar o consumidor. "Ela foi a causadora dos prejuízos. Portanto, tem de assumir a responsabilidade. Não é justo o consumidor pagar por algo que não tem culpa."
Rufino diz que, pela falta do sistema de transmissão, a Aneel teve de criar uma regra nova para conseguir liberar o pagamento das receitas para as geradoras de energia eólica. O normal, diz ele, seria a empresa fazer todos os testes dos parques e, depois, pedir a autorização para iniciar a operação comercial. Mas, sem a transmissão, as empresas não puderam fazer isso. "Está para sair nos próximos dias um despacho da Aneel para que as geradoras possam receber suas receitas."
Estão nesse grupo a Renova Energia, Dobrevê Energia (Desa) e a CPFL Renováveis. Segundo o presidente da Desa, Carlos Augusto Leite Brandão, a empresa tem cinco parques eólicos prontos sem operar por causa do sistema de transmissão da Chesf. Ele conta que, embora tenha direito a receber uma receita fixa, os custos para manter uma usina parada são grandes. Além da manutenção, as empresas têm de renegociar os contratos de operação e de garantia dos equipamentos.
No caso da Desa, a empresa vendeu uma quantidade de energia menor do que aquela que o parque realmente poderia produzir. Os MWs gerados acima disso poderiam aumentar a receita da empresa - estratégia considerada no momento de dar um lance no leilão. Sem isso, o retorno tende a ser menor.
Como nos demais casos, a companhia ainda não recebeu nenhum centavo. "Se demorar muito, os sócios terão de aportar mais dinheiro na empresa, sem a garantia de mais tarde poder retirar esse capital. Além disso, tínhamos um processo de construção em cascata que foi interrompido. Estou tendo um custo adicional para mobilizar e desmobilizar equipes."

Instalação de aerogeradores traz renda extra

Conheça a história de pessoas que aumentaram a renda com o aluguel das terras para a construção dos parques eólicos da Renova Energia

29 de setembro de 2012 | 17h 24
CAETITÉ E GUANAMBI (BA)- Desde que os parques eólicos começaram a ser erguidos na região de Caetité, Guanambi e Igaporã, no sudoeste da Bahia, Leôncio Borges Carvalho, de 58 anos, virou o "partidão" do bairro Santana. Dono de 466 hectares de terra, ele arrendou parte da propriedade para a instalação de 11 aerogeradores da Renova Energia. O contrato vai lhe render mensalmente R$ 4,6 mil durante os próximos 20 anos. Se tudo der certo, a renda será ampliada com a assinatura de um novo contrato para seis torres. "Sempre gostei do vento, que por essas bandas é forte. Agora gosto mais ainda."
Como ele, outros 301 proprietários aumentaram a renda com o aluguel das terras para a construção dos parques eólicos da Renova Energia. Foram desembolsados até o momento R$ 3,54 milhões a título de arrendamento no complexo eólico Alto Sertão I. Outros 144 moradores já firmaram contrato com a empresa para a construção dos 15 novos parques. O dinheiro vai direto para as mãos dos sertanejos, que vivem momento de bonança, apesar da pior seca dos últimos 30 anos.
A renda tem destino variado. Leôncio usou o primeiro pagamento para quitar uma dívida bancária feita no passado para construir silos, caixa d’água e outras melhorias. Depois decidiu reformar a casa, erguida há mais 50 anos. Pintou as paredes e trocou o piso. Não tem geladeira nem televisão em casa. Depois de um dia pesado na roça, ele gosta mesmo é de ficar sentado na sala - que só tem uma mesa e algumas cadeiras - descansando. O próximo sonho de Leôncio é comprar um imóvel na cidade. "De preferência, em Guanambi, que é mais agitada", diz ele, que é solteiro e mora sozinho.
Deixar a vida dura da roça também faz parte dos planos de Osvaldino Fernandes de Souza, de 69 anos. "Nasci e cresci aqui. Mas, para as crianças, a cidade é melhor", diz ele, que vive no bairro Capão, ao lado da mulher Edilça da Silva Souza, de 34 anos, e três filhos. A família tem dois aerogeradores em suas terras. Cada um rende quase R$ 500. Parte do dinheiro vai para a poupança. O resto é usado para comprar alguns presentinhos para as crianças.
Como Leôncio, o sertanejo não tem o sonho de equipar a casa com modernidades da cidade. Na cozinha não há geladeira. Na sala, só algumas cadeiras e um monte de sacos com ração para o gado - a grande paixão de Souza. No quintal de terra batida, muitos porcos, galinhas e palma para alimentar o gado. "Televisão pra quê? Acho muito ruim quando vou na casa de alguém e fica todo mundo virado para a TV e não presta atenção na gente. O povo não conversa", reclama ele.
O baiano Manoel Cirico Cotrim, de 80 anos, joga no time de Souza. Ele tem televisão em casa, mas gosta mesmo é um bom bate-papo. Basta fazer qualquer pergunta sobre sua origem, para ele tirar inúmeras histórias do baú. Descendente de portugueses, ele ainda guarda as provas de sua passagem pelo Sudeste na juventude atrás de emprego. Uma caderneta de poupança da Caixa Econômica do Estado de São Paulo mostra o primeiro depósito, de agosto de 1954. Naquela época, lembra ele, o salário era pago diretamente nessa conta.
Casado há 50 anos com Elizia Andrade Cotrim, ele sempre morou em Morrinhos, distrito de Guanambi. No último ano, a paisagem de sua janela mudou radicalmente. Dali, ele avista os gigantes cataventos da Renova. Dois deles estão em sua terra. "Aqui em casa uma torre é minha e outra é dele", diz a esposa Elizia. "Se deixar, ele gasta tudo com ração pra gado."
Sudoeste baiano tem boom de obras
O sudoeste da Bahia está em ebulição. Além dos parques eólicos que movimentaram - e continuarão movimentando nos próximos meses - o dia a dia do sertanejo, a construção da Ferrovia Oeste-Leste (Fiol) e a exploração de minério também prometem trazer progresso para a região. A estrada de ferro já foi iniciada, mas alguns trechos foram paralisados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por suspeitas de irregularidades.
O licenciamento ambiental também não tem sido fácil por causa de cavernas existentes no meio do traçado. Mas o governo não vai desistir do projeto. "Para a cidade, a ferrovia é essencial. Ela vai tirar os caminhões que hoje passam por dentro da cidade", afirma o secretário de Meio Ambiente de Caetité, João Antônio Portella Lopes.
A cidade também é sede do Projeto Pedra de Ferro da Bahia Mineração, empresa que foi comprada por um grupo de investidores do Casaquistão. A previsão é que a mina, com capacidade para produzir aproximadamente 20 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, inicie suas operações em 2014. No momento, afirma Lopes, a empresa está fazendo testes para verificar a qualidade do minério e saber se há aceitação no mercado internacional.
O único negócio que não é bem recebido na região é a exploração de urânio, que já foi motivo de uma série de protestos e confusões em Caetité. Em 2008, foi detectada uma contaminação da água da cidade. Desde então, a população vive com medo de que algo mais grave possa ocorrer.
De qualquer forma, os novos investimentos trouxeram alento para o sertanejo. Até aqueles que desistiram de esperar o progresso da região estão mudando de ideia. É o caso do filho de Manoel Cirico Cotrim. Ele conta que, depois de 18 anos em São Paulo, o filho estará de volta no próximo mês. Nesse tempo fora, conseguiu guardar dinheiro e construir uma casa e uma padaria, que será inaugurada em breve em Morrinhos, distrito de Guanambi. Será a primeira padaria da comunidade, que tem apenas 3 mil habitantes.
O filho de Joaquim José, de 60 anos, também deverá fazer o mesmo caminho. Nesse caso, ele ainda não tem emprego definido. "Mas vai procurar na Renova, como os dois outros irmãos que já estão trabalhando lá", diz o ex-cortador de cana. "Essa região é boa demais. Não tem água, mas venta bastante."

Jovens estudam humanas, mercado pede exatas



Estudo mostra quais são as profissões que têm sido mais demandadas e em que áreas os salários estão subindo ou caindo

29 de setembro de 2012 | 13h 10
Fernando Dantas, da Agência Estado
RIO - As profissões das áreas exatas e técnicas estão com a demanda em alta no Brasil, segundo estudo baseado nos Censos de 2000 e 2010, realizado pelo economista Naercio Menezes Filho, do Centro de Políticas Públicas do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper)e Universidade de São Paulo (USP).
Por outro lado, o aumento da oferta de profissionais acima da demanda do mercado fez com que os salários caíssem entre 2000 e 2010 em profissões não ligadas à área técnica, como Administração, Comunicação e Jornalismo, e Marketing e Publicidade, com quedas de respectivamente 17,8%, 14,1% e 7,4%
No topo da remuneração entre todas as formações universitárias em 2010, estavam profissões como Medicina, graduados em academias militares, Engenharia Civil e Odontologia, com salários mensais médios de respectivamente R$ 6.952, R$ 6.359, R$ 4.855 e R$ 4.854.
"Há mais demanda na área de exatas, mas a oferta está crescendo mais rápido na área de humanas", comenta Menezes.
O detalhadíssimo trabalho leva em conta um amplo conjunto de informações sobre os 10,6 milhões de brasileiros de 18 a 60 anos que detinham diploma universitário em 2010 (e os 5,4 milhões na mesma situação em 2000). O estudo foi feito por encomenda da BRAiN Brasil, uma associação de bancos, BM&F, Federação dos Bancos Brasileiros (Febraban) e outras entidades, que tem como objetivo transformar o Brasil num polo internacional de investimentos e negócios.
A pesquisa partiu de um aparente paradoxo. Apesar de se constatar no Brasil um apagão de mão de obra qualificada, o salário real médio de quem tem o ensino médio completo caiu de R$ 1.378 em 2000 para R$ 1.317 em 2010. Da mesma forma, os diplomados no curso superior viram seu rendimento médio cair de R$ 4.317 em 2000 para R$ 4.060 em 2010. Se o ganho de quem tem o ensino médio ou grau universitário caiu, é um sinal de que a demanda por qualificação recuou - o que aparentemente contradiz a o fenômeno do apagão de mão de obra.
O estudo detalhado de mais de 40 tipos de formação universitária, porém, explica a contradição. Na verdade, há algumas profissões de grau universitário extremamente demandadas, nas quais a oferta de mão obra cresceu insuficientemente de 2000 a 2010. "São as profissões que o país está pedindo", diz Menezes Filho.
Proporção
É o caso, por exemplo, da Engenharia Civil. Havia 141,8 mil engenheiros civis no Brasil em 2000, número que cresceu para apenas 146,7 mil em 2010. Dessa forma, a proporção de engenheiros civis no total da população com diploma universitário caiu de 2,76% para 1,45% no período. A alta da demanda fica claro na evolução salarial da categoria no período, com elevação de 20,6%. Em 2010, na média, um engenheiro civil ganhava 211% a mais do que os trabalhadores apenas com ensino médio completo. Em 2010, essa vantagem subiu para 266%.
Um fenômeno muito parecido ocorreu com a Medicina, que está no topo de rendimento, e também tem a menor taxa de desemprego entre as profissões (excetuando-se os militares), de apenas 0,62% em 2010. O número de médicos cresceu pouco no Brasil entre 2000 e 2010, saindo de 207 mil para 225 mil. Com isso, sua proporção no total da população diplomada caiu de 4,04% para 2,23%. Já o salário deu um salto de 18,13%.
Algumas profissões fora da área técnica, porém, tiveram aumento de oferta com queda de salário - isto significa que o sistema universitário produziu mais profissionais desse tipo do que o País estava demandando. Em Administração, por exemplo, houve um salto de 594 mil para 1,473 milhão. A profissão passou de 11,6% do total dos diplomados para 14,6% entre 2000 e 2010. A oferta tornou-se excessiva, como fica claro pelo recuo de 17,8% na remuneração.
Em hotelaria, alimentação e turismo, o contingente diplomado quase quintuplicou, fazendo com que a remuneração caísse 22,6%, para R$ 2.585, em 2010.
Impacto nos salários. Algumas profissões rentáveis também tiveram um salto tão forte na oferta de novos profissionais entre 2000 e 2010 que acabaram sofrendo impacto na remuneração. O número da atuários no País aumentou seis vezes em dez anos, de 2,1 mil para 12,5 mil. A profissão é bem remunerada, sendo a sexta no ranking, com ganho médio mensal de R$ 4.723 em 2010. Ainda assim, a remuneração média caiu 11,5% desde 2000.
Outras profissões sofreram queda tanto de oferta quanto de demanda (medida pelo salário), como Filosofia. Em 2000, havia 29,1 mil pessoas de 18 a 60 anos formadas em Filosofia, número que caiu para 24,9 mil em 2010. Mesmo com menos oferta, os salários caíram 14,6%, para R$ 2.390. Aliás, é a menor remuneração entre todas as profissões que exigem diploma universitário.
Outra característica da Filosofia é ser o grau universitário em que uma menor proporção das pessoas diplomadas trabalha na própria área de formação, com apenas 3,9% em 2010. Em contraste, 79,9% dos médicos trabalham com medicina.
"O problema é menos que há poucas pessoas com formação universitária no Brasil, e mais que essas formações estão muito mal distribuídas", diz André Sacconato, economista da BRAiN.
Ele nota que é mais barato abrir cursos universitários em áreas não técnicas "Dá para criar uma faculdade de Economia só com professores e livros, mas Medicina e Engenharia precisam de materiais, máquinas, equipamentos e tecnologia - estamos formando muitos administradores e poucos engenheiros".