quinta-feira, 28 de junho de 2012

A longa história da cárie



28 de junho de 2012 | 3h 09
Fernando Reinach
Muita coisa melhorou na vida do Homo sapiens nos últimos 20 mil anos, mas uma piorou: a quantidade de cáries. É o que concluiu um grupo de dentistas, antropólogos e arqueólogos.
Saber se diabete ou hipertensão eram frequentes na Idade da Pedra Lascada é praticamente impossível. Esqueletos, ruínas e artefatos são tudo de que dispomos para entender como era a vida de nossos ancestrais.
Algumas vezes encontramos ossos quebrados e marcas de pancadas nos crânios, o que permite avaliar o nível de violência ou os acidentes do no dia a dia. Mas talvez nunca venhamos a saber a incidência de doenças metabólicas ou a prevalência da obesidade.
Mas, se essa ignorância incomoda os médicos, os dentistas têm mais sorte. A quantidade de fósseis de crânios humanos é enorme. Muitos se dedicam a verificar o estado dos dentes de nossos antepassados, correlacionando seus achados com a época em que viveram, seus hábitos alimentares e a idade de cada um.
Nossos parentes distantes, os macacos, dificilmente apresentam cáries durante a maior parte de sua vida. Elas e outras doenças dentárias só aparecem no final da vida e são sinal de envelhecimento.
O que sabemos dos dentes de nossos ancestrais mais antigos vem do exame de crânios de humanos que viveram antes do desenvolvimento da agricultura. Examinando mais de mil crânios dessa época, foi constatada pelo menos uma cárie em só 2% dos indivíduos. Eram coletores e caçadores, comiam raízes, frutos, sementes duras e um pouco de carne.
O estado dental começou a piorar há 13 mil anos, no Neolítico, quando surgiu a agricultura. Nessa amostra de crânios, 9% deles possuíam uma cárie. Nessa época o consumo de grãos moídos, ricos em carboidratos, começou a fazer parte da dieta humana. Muito depois, tanto no Egito (há 3,3 mil anos) quanto nos crânios de aborígenes australianos (há uns 70 anos), a quantidade de cáries era próxima a 2%, mas esses povos não haviam adotado completamente a dieta rica em grãos típica das civilizações que adotaram a agricultura.
Açúcar. Nas populações europeias, há até 4 mil anos, a quantidade de crânios com cáries era de 10%. Há cerca de 2,3 mil anos, Alexandre, o Grande, trouxe o açúcar à Grécia. A quantidade de cáries aumentou lá, em Roma e depois em toda a Europa durante a Idade Média. O mesmo ocorreu na Inglaterra, quando, após a conquista das Índias, os navios trouxeram grandes quantidades de açúcar. O imposto sobre o açúcar foi reduzido em 1874 e o consumo explodiu. A partir desse momento, mais de 90% dos crânios ingleses possuem múltiplas cáries em quase todos os dentes.
Nessa época a alta incidência de problemas dentários fez com que as pessoas passassem a limpar os dentes: surgiram escovas, pastas, dentistas. Essa nova tecnologia estancou a incidência de cáries, que estabilizou em nível alto (50% a 90% das pessoas com cáries) na a Europa até meados do século 20. Em 1970, foi introduzido o flúor na água, o que melhorou um pouco a situação. Agora, no início do século 21, pela primeira vez a incidência está aumentando novamente.
A introdução de carboidratos purificados (amido) e solúveis (açúcar) em nossa dieta é provavelmente o grande culpado pelas cáries. Esse estudo é um bom exemplo de como a evolução tecnológica da humanidade é muito mais rápida que a biológica.
Nossa espécie viveu por milhões de anos comendo raízes, frutas, grãos e carne. Sobreviveram os indivíduos com dentes que resistiam nesse ambiente, mesmo sem higiene bucal. Mas o homem descobriu a agricultura e, com ela, carboidratos fáceis e baratos. E começou a consumi-los, apesar de seus dentes não estarem adaptados. Os dentes passaram a apodrecer rapidamente, o que deveria ter pressionado a população a comer menos destes alimentos. Mas novas tecnologias, como a escova e a dentadura, livraram-nos da pressão seletiva, a força maior da evolução.
A lição é simples: qual a melhor dieta para o ser humano? Aquela para a qual fomos selecionados durante milhões de anos, a dos que viveram antes da descoberta da agricultura.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Índice mostra São Paulo com padrão de consumo insustentável


Estudo da WWF e da consultoria Ecossistemas revela que paulistano tem estilo de vida predador ao planeta e distante do modelo sustentável

27 de junho de 2012 | 6h 00
Clarissa Thomé, do Rio
Se todos tivessem estilo de vida paulistano, seriam necessários 2,5 planetas para sustentar consumo - Gisele Tamamar/AE
Gisele Tamamar/AE
Se todos tivessem estilo de vida paulistano, seriam necessários 2,5 planetas para sustentar consumo
 Uma das conclusões da Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável encerrada na semana passada, é de que o mundo precisa alterar radicalmente seus índices de consumo para lidar com o esgotamento dos recursos naturais do planeta. Um levantamento divulgado durante a Rio+20 mostrou que a lição precisa ser feita aqui mesmo em casa: de acordo com o estudo, se todos os 7 bilhões de habitantes da Terra tivessem o mesmo estilo de vida do paulistano, seriam necessários 2,5 planetas para sustentar esse padrão de consumo. Levando em conta todo o Estado de São Paulo, onde o padrão é menor do que na capital, ainda haveria necessidade de dois planetas. 

Esse é o cálculo da pegada ecológica, índice que mede o impacto do estilo de vida sobre os recursos naturais. Ou seja: o rastro deixado pelos seres humanos no lugar onde vivem. Quanto mais rica é a família, maior é a pegada. O estudo foi feito pela organização não governamental da WWF e pela consultoria Ecossistemas, com o apoio da Prefeitura e do governo do Estado de São Paulo.
A pegada ecológica é a área que seria necessária para garantir determinado padrão de vida. O paulistano precisa de 4,38 hectares. Já o paulista, 3,52 hectares. Isso é considerado muito, uma vez que o planeta tem a oferecer apenas 1,8 hectare por pessoa. 

Para chegar a esse número, são levadas em consideração informações como emissões de CO2, hábito de comer carne, moradia, lazer e consumo. “Conhecer a pegada não resolve todos os problemas ambientais, mas é um indicador importante do monitoramento dos recursos naturais. Depois do cálculo tem de haver mobilizações para que o consumo seja mais racional e depois iniciar a fase de compensação”, alertou Michael Becker, coordenador do estudo. 

Faixa. No Brasil, a WWF já havia feito o cálculo da pegada ecológica, mas só em Campo Grande (MS). Lá, o valor é de 3,14 hectares. Em São Paulo, pela primeira vez, foi analisada a pegada de acordo com a faixa de rendimento familiar. Para famílias do Estado de São Paulo que ganham até dois salários mínimos, é preciso uma área de 1,8 hectare por pessoa (o que equivale ao índice verificado em Gana, um dos países mais pobres do mundo). 
Entre as que têm rendimento de mais de 25 salários mínimos, a área chega a 11,5 hectares por pessoa –próximo do nível registrado pelo líder do ranking, os Emirados Árabes (10,68). 

Para Fabrício de Campos, diretor executivo da Ecossistemas, o brasileiro tem de estar atento ao tipo de alimento que ingere. O consumo de carne vermelha tem grande impacto na pegada ecológica, por conta da área utilizada para a criação do gado. Isso também ocorre com o tabaco, que é cultivado em amplas zonas agrícolas. A emissão de CO2 não tem tanto peso, porque o Brasil tem matriz elétrica bastante limpa. No País, a pecuária e a agricultura são os fatores que mais contribuem para a pressão exercida sobre recursos naturais no País. A criação de gado representa 0,95 hectare dessa pegada – bem acima da média mundial (0,21). Essa pressão ocorre por conta da baixa produtividade. Já a agricultura foi responsável por 0,8 hectare, quando a média dos outros países é de 0,59. 

Pelos cálculos da WWF, o planeta leva um ano e meio para renovar recursos consumidos e absorver o CO2 produzido durante um ano – o mundo consome 50% a mais do que a sua capacidade.

Realismo na Petrobrás


Celso Ming - O Estado de S.Paulo
Como a oposição - se é que ela existe - não vem sendo capaz de produzir um mínimo de crítica à política econômica do governo do PT, foi preciso que a própria diretoria da Petrobrás tomasse a iniciativa de apresentar a mais contundente denúncia das derrapadas administrativas registradas nos oito últimos anos da Petrobrás.
Foi o que fez segunda-feira a atual presidente, Graça Foster. Ela admitiu que a diretoria anterior, presidida pelo baiano José Sérgio Gabrielli, foi marcada pela falta de realismo na definição de metas de produção e pela leniência com que acompanhou os cronogramas dos investimentos. Além disso, apontou falta de cumprimento da sistemática de aprovação de projetos importantes e sugeriu a ocorrência de indisciplina na empresa, sabe-se lá em que proporção.
As obras da Refinaria Abreu e Lima, no Estado de Pernambuco, estão com atraso de três anos. Foram orçadas em US$ 2,3 bilhões em 2005 e não sairão por menos de US$ 20,1 bilhões, quase dez vezes mais. "É uma história a ser aprendida, escrita, lida pela companhia, de tal forma que não seja repetida", disparou Graça Foster. Ela não foi complacente com graves falhas de gestão do projeto do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Coperj), também atrasado e sem nova data para entrar em operação.
Em boa parte, esse desleixo administrativo é consequência da opção determinada ao longo do governo Lula que encarou a Petrobrás como território de aparelhamento partidário e loteou sua diretoria entre os próceres de sua base política. Nessas condições, é impossível evitar desvios de patrimônio público.
O governo Dilma pretende dar racionalidade administrativa ao setor do petróleo. Mas o faz pela metade e não desiste das ingerências. Como esta Coluna avançou na edição de ontem, este governo está sendo incapaz de definir uma política coerente para a Petrobrás e para os preços dos combustíveis. Até agora não se sabe se o objetivo é dar continuidade às práticas populistas de combater a inflação por meio da manipulação do caixa da Petrobrás; se é ajudar a política industrial por meio de imposições de quocientes de conteúdo local na encomenda de equipamentos; ou se é observar um mínimo de capacidade de investimento da empresa de modo a puxar o crescimento econômico e a criação de empregos.
Graça Foster insiste agora em que é preciso uma "administração realista", algo que nunca deveria ter sido deixado para trás. No entanto, não dá para acreditar que prevaleça uma "administração realista" enquanto não for restabelecido o realismo dos preços. A Petrobrás continua vendendo de 6% a 10% da gasolina consumida no mercado interno a preços mais baixos do que ela paga no mercado internacional. E a administração da empresa não consegue do governo Dilma a observância de critérios de paridade aos preços internacionais.
Convém observar que o critério de preços tem de valer tanto na alta como na baixa. E, se for verdade que as cotações internacionais de petróleo podem despencar de volta para o nível dos US$ 60 por barril, um grande número de investimentos da Petrobrás poderá ficar inviável. Isso significa que não basta uma administração realista de preços; tem de ser também uma administração austera.
Não é à toa que a Petrobrás vale hoje no mercado apenas 70% do valor patrimonial registrado em seus livros.

Como acabaram as filas do INSS



Coluna Econômica - 27/06/2012, por Luis Nassif
No Seminário “Modelos de Gestão”, do projeto Brasilianas, o ex-Ministro da Previdência Nelson Machado contou em detalhes uma das mais bem sucedidas experiências em gestão pública no país: o fim das filas do INSS.
Antes da Previdência, teve papel essencial no governo eletrônico implantado por Yoshiaki Nakano, no primeiro governo Mário Covas, em São Paulo.
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Em ambos os casos, Nelson Machado detectou as duas pré-condições para mudanças de gestão bem sucedidas, o que ele denomina de “alinhamento dos astros:
1. Decisão política: vontade de fazer, o que depende do governante, governador ou presidente.
2. Competência técnica, capacidade de responder aos desafios.
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Lula lhe conferiu duas missões objetivas: combater as fraudes e acabar com as filas do órgão. Machado colocou uma condição apenas: profissionalizar a gestão.
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O INSS possui 1.200 agências, é comparável a um grande banco. O trabalho de Machado desenvolveu-se em várias frentes: gestão de pessoas; configuração organizacional; gestão de processos; e ferramentas tecnológicas.
Antes de começar o trabalho, passou 15 dias no Ministério do Planejamento reunindo-se com funcionários do Ministério de todo o país e propondo a questão central: como resolver o problema das filas?
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O passo seguinte foi a comunicação com as pessoas, o que foi feito através do empréstimo da TV Banco do Brasil – que tem abrangência nacional. Periodicamente havia discussões da cúpula do Ministério com as gerências regionais.
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Nessas conversas identificou-se o problema sério de fragmentação no comando. Como havia muitas indicações políticas para gerentes, eles prestavam mais satisfação a seus padrinhos do que ao Ministério.
Montou-se, então, um concurso nacional para seleção de gerentes. Quase 5 mil funcionários participaram. Desses, foram selecionados mil e pouco.
Havendo vaga, procedia-se a uma seleção objetiva, através de procedimentos claros e transparentes. Os cinco primeiros eram chamados a Brasília onde passavam por uma bateria de testes da Empresa Junior da PUC. Ao final, o Ministério fazia uma discussão com psicólogos que lhe permitia bate o martelo com o escolhido.
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O gerente selecionado era alocado em local distante de sua cidade original, para diluir vícios. Em seguida, criou-se uma gratificação para os chefes de agência, uma remuneração variável por desempenho.
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O passo seguinte foi reorganizar o horário de atendimento e instalar sistemas de webcams em todas as agências do país, permitindo o monitoramento em tempo real. Finalmente, permitiu-se o agendamento de reuniões por telefone ou internet.
Sempre que a agência era aberta, o chefe procedia a uma contagem do número de pessoas na fila. No início da experiência, a média era de 80 pessoas na fila, antes da abertura da agência e um tempo médio de atendimento de 01hs47.
Em pouco tempo o número caiu para 20 na fila e o tempo médio reduziu para 40 minutos.
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Hoje em dia, a espera tem 4, 5 pessoas, muito mais pelo gosto de serem atendidas na frente do que por necessidade.
A reforma da Previdência - 2
Coluna Econômica - 28/06/2012
Responsável pelo fim das linhas do INSS, o ex-Ministro da Previdência Nelson Machado ironiza os modelos de gestão, pacotes fechados oferecidos a empresas públicas ou privadas e à administração pública.
O modelo é interessante de se conhecer, diz ele. Mas deve ser encarado como uma caixa de ferramentas que se abre e se usa o necessário. Para cada situação, um conjunto de ferramentas.
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Na coluna de ontem mostrei os passos iniciaisda reforma da Previdência.
Houve uma reunião inicial com gerentes de todo o país para buscar soluções para as filas.
Constatou-se que o primeiro passo seria organizar previamente os horários de atendimento. Haveria uma seletividade, em função da necessidade do seguro. E - principalmente - a resolutilidade. Isto é, a solução para o caso deveria ser dada no primeiro atendimento.
O padrão da administração pública é receber o pedido, carimbar, colocar na pasta e passar para frente. A solução imediata do problema exigiu muito treinamento e capacitação.
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No passado recente, foram feitas várias tentativas de modernização, como a consolidação dos bancos de dados de Pis-Pasep e outras formas de registro profissional dos segurados. Mas a legislação impedia o seu uso como prova de tempo de trabalho.
Na gestão Pimental - anterior a Machado - a lei foi alterada permitindo eliminar o chamado saquinho de papel (a montanha de comprovantes de vínculos trabalhistas que acompanhava cada processo). Com o computador ligado, o atendente tinha condição de aprovar o pedido de aposentadoria na hora, consultando o histórico do beneficiário.
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Reordenou-se a lógica das consultas. No caso de aposentadoria por acidente de trabalho, por exemplo, o segurado previsava ir à agência marcar a perícia. Uma segunda ida, para fazer a perícia. Uma terceira ida para ter alta.
O agendamento passou a ser feito por canais de atendimento à distância. Montou-se uma estrutura de agendamento por telefone (37%), Internet (25%) e agência (6%).
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Para cada caso - quebra de perna, braço etc. - o médico já dava um prazo padrão para restabelecimento do segurado. Ao final do prazo, a alta era automática. Só voltava ao perito o segurado que precisasse de mais tempo de recuperação.
Em 2005 houve 900 mil perícias médicas, 500 mil por terceirizados. Em setembro começaram a entrar os concursados. A média das perícias caiu para 500 mil.
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Outro ponto de desafio foi o combate ao desperdício e à fraude. Havia a mística de que 50% dos benefícios da Previdência eram fraudados - beneficiários fantasmas, falecidos etc. Houve algumas tentativas de censo, mas que esbarraram em problemas de planejamento.
Para preparar o novo censo, montou-se um plano inicial e Machado conversou antecipadamente com presidentes do STF, do Senado e Câmara, do TCU, com o Procurador Geral da República e com as principais redações de jornais.
Deixou claro que bastaria uma matéria sensacionalista com alguma idosa com dificuldades de se recadastrar para derrubar o trabalho.
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Conseguiu-se adesão geral. Ao final do recadastramento, as fraudes não chegavam a 2,5% - mas um valor considerável, de R$ 1,5 bilhão, levando-se em conta o tamanho do orçamento do órgão.
Hoje em dia o recadastramento é automático, através das próprias agências bancárias.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Mais ecológico e autossuficiente, etanol brasileiro carece de incentivos federais


Para especialistas e empresários, ausência de políticas públicas inviabiliza setor sucroalcooleiro.
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Foto: Divulgação/PetrobrasMais ecológico e autossuficiente, etanol brasileiro carece de incentivos federais
Produto genuinamente brasileiro, o etanol já foi modelo internacional, mas hoje amarga uma dura crise. A ausência de políticas públicas que lhe garantam competitividade, somada ao baixo investimento na produção e alterações climáticas colocam o biocombustível da cana-de-açúcar em uma situação de risco. O Brasil, que pretendia ser um grande exportador do combustível ecológico, se viu obrigado a importar a versão americana – mais poluente – no último ano: mais de um milhão de metros cúbicos ingressaram no país, em 2011.

Apesar de ser mais ecológico do que o equivalente fóssil e, considerada, a alternativa mais barata e eficiente de biocombustível disponível no mundo, o consumo interno do etanol está em queda. Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), foram comercializados 10,7 milhões de m³ em 2011, bem abaixo do patamar de 15,1 milhões do ano anterior, o que corresponde a um recuo de quase 30%. O cenário fica ainda pior se for considerada a frota de carros flex vendidos no mesmo período, de cerca de três milhões, contra pouco mais de 300 mil unidades movidas à gasolina.
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A resposta para a rejeição do consumidor é simples e tem origem econômica: a disparada nos preços deixa a versão da cana pouco atraente ao bolso do motorista. Em função do rendimento de um litro de etanol corresponder a 70% do litro de gasolina, ele só é rentável ao consumidor se tiver a mesma relação custo-benefício. Ao contrário dos combustíveis fósseis, regulados pelo Governo Federal, o Etanol não recebe nenhum tipo de incentivo fiscal. Para o professor do Departamento de Produção Vegetal da USP, responsável pela área de planejamento e produção de cana-de-açúcar, Edgar Beauclair, essa diferenciação entre os dois produtos demonstra desinteresse político.

“Falta uma política pública clara, transparente em relação ao que se deseja de matriz energética no país. Não sabemos as metas para cinco, dez anos. Não sabemos se existem metas. Isso acarreta uma dificuldade óbvia para atrair investimentos. Fica difícil investir em uma atividade que você não tem garantias de comercialização porque vai competir com outro produto subsidiado. Um produto [gasolina] em que o governo tem interesse em controlar”, declara Beauclair em entrevista à Agência CNT de Notícias

Baixo investimento
As 406 usinas produtoras de etanol ainda sentem os reflexos da crise internacional de 2008, que reduziu o crédito e elevou os custos da produção, fazendo com que o negócio deixasse de ser rentável. Naquela época, em função da alta do barril de Petróleo, o setor sucroalcooleiro foi demandado e a produção de Etanol chegou a marca de 27 milhões de m³, maior volume desde 2000 – segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento (Mapa). No entanto, a política de preços do combustível instituída para o controle inflacionário tem causado perdas a Petrobras e criou um teto para o Etanol considerado inviável pelos empresários.

De acordo com o presidente da União dos Produtores de Bioenergia (Udop), Celso Torquato Junqueira Franco, o principal entrave hoje é justamente fazer do Etanol uma commodity rentável. Uma primeira medida para salvar o setor, segundo ele, seria a desoneração tributária. “Se há um interesse em manter a política de preços para a gasolina, precisamos chegar ao nível zero de tributação do Etanol. Mas se isso se mantiver por muitos anos, daqui a pouco nem a desoneração vai ser suficiente. Os custos continuam aumentando. Precisamos de uma política de longo prazo”, explica.

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Nesse sentido, como tentativa de amenizar as perdas e incentivar a renovação dos canaviais, o Governo Federal elaborou oPlano Estratégico do Setor Sucroalcooleiro, lançado em fevereiro. A meta do projeto é expandir a oferta de cana-de-açúcar destinada à produção do biocombustível para os próximos quatro anos. O plano apoia-se em três medidas: renovação das plantações – que hoje têm idade média acima do ideal, com canas acima do 6º corte –, atendimento à capacidade instalada das usinas (que têm ociosidade de cerca de 20%) e elevação da oferta de matéria-prima para as indústrias.

Sob o olhar dos produtores, entretanto, a medida é tardia e ineficiente. Segundo o presidente da Udop, para recuperar os canaviais seria necessário investir cerca de R$ 50 bilhões, em três anos. Em abril, o Governo Federal disponibilizou R$ 4 bilhões por meio do Programa BNDES de Apoio à Renovação e Implantação de Novos Canaviais (BNDES Prorenova), disponíveis em 2012. Segundo o Banco, até o dia 21 de junho, 25 operações foram aprovadas, com a utilização de pouco mais de R$ 450 milhões.  “Os recursos para a produção não chegam na base. Esse valor corresponde a apenas 1% do investimento necessário para retomar as condições dos canaviais. É muito pouco. Hoje temos cerca de 20% das empresas produtoras com dívidas que ultrapassam seu valor de mercado”, estima Junqueira Franco. 

A solução, para especialistas e empresários, seria a adoção de programa similar ao PróAlcool, criado pelo Governo Federal na década de 1970. “Precisamos de uma ação de longo prazo. Temos que olhar o setor sucroalcooleiro dentro da matriz energética. Se hoje temos, aparentemente, um problema de abastecimento de etanol, mais tarde teremos um problema no de gasolina, caso não seja resolvido o problema. É emergencial uma medida”, alerta o empresário.

Falta ainda um estímulo ao consumo do etanol, para o professor Edgar Beauclair, “Com a opinião pública sensibilizada a favor do consumo do biocombustível renovável, o governo vai se sentir pressionado. Precisamos de um movimento social a favor de um combustível com baixo impacto ambiental e que pode ser econômico, basta melhorar as condições de investimento”, finaliza.


Na próxima sexta-feira (29), a Agência CNT de Notícias publicará mais uma reportagem sobre o etanol, com os benefícios ambientais do biocombustível e iniciativas de transporte coletivo que já utilizam o derivado da cana-de-açúcar.

Jacy Diello
Agência CNT de Notícias

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Salvar a boa política, por Arnaldo Jardim


Sucessivos escândalos envolvem dirigentes públicos, políticos e empresários. Sacando contra o erário, comprometem a democracia e a ética, aumentando a descrença com a política. Muitas denúncias, operações da Polícia Federal se sucedem e sequer conseguimos acompanhar o desenrolar e desfecho de cada uma das investigações. 
Por outro lado a sensação de impunidade. Para que ela não prevaleça no Legislativo, defendoo voto aberto nas decisões do Congresso Nacional. O voto secreto no Parlamento tem de acabar! Afinal de contas, quem vota é o indivíduo, o “parlamentar”, e ele o faz como representante de uma delegação popular e assim deve prestar conta da sua decisão.
Nada mais desalentador que o parlamentar que você ajudou eleger com seu voto praticar justamente o contrário daquilo com que se comprometeu na campanha eleitoral.
 Esta situação não é uma “novidade”. Rigorosamente, ao longo da história, fatos assim se sucederam aqui e mundo afora, mas choca a intensidade, a frequência e a impressão de que nada muda.
A impressão que se tem é de partidos que se distanciam da boa política e só existem para as eleições. O culto a personalidade de famosos cedeu lugar a ação programática. Nas eleições legislativas de 2010, um único candidato garantiu o mandado a outros três representantes da sua coligação.
O pragmatismo se tornou regra a nortear as alianças eleitorais e afastou o debate daquilo que importa: as propostas, prioridades, a visão sobre a cidade, sobre o País.
Evidencia a ação de partidos num “jogo de faz de conta”,  no “vale tudo”. O Partido A, antes oposição, no poder adota as mesmas posturas e práticas do Partido B que cutucava quando era governo. O Partido B na oposição desdiz o que fez.
Esta duplicidade e falta de coerência é fruto também de ação de tutela do Executivo, em todos os níveis, ao Legislativo. Postura que limitando a autonomia do Parlamento inibe o debate do que é absolutamente necessário, a proposição de reformas estruturais e de um projeto estratégico de desenvolvimento para o País.
O desinteresse pela política tem crescido e pode ser medido pela grande abstenção registrada em 2010. No primeiro turno, 24,6 milhões de eleitores não votaram, e no segundo turno o número de brasileiros que não compareceu às urnas chegou a mais de 29 milhões, ou um quinto do total de eleitores.
Os partidos precisam reaproximar-se do eleitor, dos movimentos sociais, buscar a participação e a integração dos jovens à vida pública, demonstrando uma efetiva disposição de ouvir, interagir, ir além de interesses imediatos e apresentar sua visão e seus valores morais.
A reforma política pode alterar este descrédito. Nela defendo o voto distrital misto, o financiamento público de campanha e que o voto individual evolua para as listas partidárias.
Partidos mais programáticos do que pragmáticos é uma exigência imediata e as eleições municipais de outubro podem ser um bom momento para cobrarmos essa mudança de orientação.
O eleitor atento deve ir além e exigir o compromisso do candidato à orientação de seu partido sobre saúde, educação, transporte, meio ambiente e tantos outros temas são decisivos para o futuro da cidade.
Aproveito para reafirmar a minha convicção de que numa plataforma mínima de propostas a governança local é o ponto central. Assegura não só a eficiência da gestão pública, como também o comprometimento dos partidos com a execução de cada um dos compromissos que serão feitos durante a campanha, mas acima de tudo o voto para mudar a forma atual de fazer política.
O voto é uma ação política que deve ser pensado e utilizado para garantir a transparência e aética na vida partidária e na pública.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Novo Parque Dom Pedro II deve ganhar até lagoa



Projeto de R$ 1,5 bi, que começou com a demolição do São Vito e do Mercúrio, também prevê enterrar parte da Avenida do Estado

21 de junho de 2012 | 3h 04
RODRIGO BRANCATELLI - O Estado de S.Paulo
O Parque Dom Pedro II mal merece a alcunha de "parque". Deveria ser chamado de "obstáculo", ou algo como Barreira Dom Pedro II. Ligação histórica entre o centro histórico de São Paulo e a zona leste, o local parece hoje totalmente deslocado do resto da cidade, alheio, um grande nó viário, além de um dos melhores exemplos de degradação urbana e devastação sofridos por áreas verdes para construção e alargamento de vias.

Mais do que fazer prédios e passagens para veículos, o novo projeto de revitalização do Dom Pedro II pretende justamente resolver esse problema conceitual - transformar novamente em parque o mar de carros, ônibus e viadutos. "Aquele espaço simbólico da várzea do Tamanduateí foi totalmente descaracterizado por obras violentas do sistema viário", diz a arquiteta Fernanda Barbara, sócia do escritório Una Arquitetos, um dos responsáveis pelo plano. "O que mais queremos é que ele deixe de ser um bloqueio e recupere seu caráter público."
Orçado em R$ 1,5 bilhão, o projeto é mais uma etapa da reurbanização da região, cujo processo começou de forma tímida com a demolição dos Edifícios São Vito e Mercúrio. A ideia é enterrar um trecho da Avenida do Estado e criar na superfície uma lagoa e uma espécie de parque linear. Estações de ônibus, metrô e do Expresso Tiradentes serão unidas em um único ponto. A região ainda ganhará unidades do Serviço Social do Comércio (Sesc) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). E toda essa nova esplanada acabaria unindo lugares históricos do centro - como o Mercado Municipal, o Palácio das Indústrias e o Pátio do Colégio.
A lagoa e o parque linear servirão como o principal espaço público. "Essa lagoa desempenha diversos papéis, ajudando na drenagem e na captação de águas pluviais, pois as enchentes são um problema recorrente", diz Fernanda. Na própria lagoa, um trecho de vegetação vai ajudar na filtragem natural das águas.
Para que o projeto agora saia do papel, a Prefeitura ainda precisa resolver diversos pontos, como a demolição do Viaduto Diário Popular e a construção de um pontilhão sobre o Rio Tamanduateí.
Debate. Para a arquiteta Fernanda Barbara, no entanto, mesmo que a burocracia municipal atravanque a revitalização, é importante que a cidade tenha projetos assim para debater temas urbanos caros para São Paulo. "Precisamos ampliar a discussão, saber o que a população quer e pressionar para que as transformações urbanas aconteçam", diz. "Os projetos precisam perpassar as gestões. Para isso, é preciso ter a participação de todos."

A luta contra a criminalidade



Coluna Econômica - 21/06/2012, do Blog do Luis Nassif
Não se pode pensar em segurança pública sem as vertentes de educação, inclusão social, políticas para a juventude, Previdência Social e políticas compensatórias.
Mas é inegável que segurança se tornou o mais premente desafio de política pública do país, em nível federal, estadual e municipal.
O principal indicador de violência - taxa de homicídios - coloca o Brasil entre os países mais violentos do mundo. Há estudiosos da matéria que consideram que o país já teria ultrapassado a taxa de não-retorno, com seus índices atuais de violência.
O grande desafio é como articular as diversas esferas de poder no combate à essa epidemia.
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De uns tempos para cá o governo federal assumiu o protagonismo, com a criação do Pronasci - que repassa recursos para os estados mediante certas condicionantes.
Segundo o Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, o Ministério não pode mais ser mero repassador de recursos, mas assumir um protagonismo maior. Esta é a lógica por trás do "Programa de Redução da Criminalidade Violenta", apresentado antes de ontem à presidente Dilma Rousseff.
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Um colóquio inicial com especialista detectou a impunidade como uma das principais causas da violência. Os estudos demonstraram que a inclusão social no nordeste não reduziu os índices de criminalidade. O diagnóstico serviu de base para o programa.
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Primeiro, juntou as experiências mais relevantes - indo beber, principalmente, nas experiências de Pernambuco, Minas Gerais e São Paulo.
Depois, montou um pacote de medidas e equipamentos e escolheu o estado-símbolo da violência - Alagoas - para a implementação de um projeto-piloto.
Internacionalmente, uma taxa adequada é de 10 mortos por 100 mil habitantes. O Brasil está acima de 20; Alagoas, acima de 70 - 50% dos quais em duas cidades, Maceio e Arapiraca.
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A primeira parte do pacote será o do fortalecimento da investigação criminal, a chamada perícia técnica. Alagoas recebeu equipamentos (cromatógrafo, microcomparador balístico, luz  forense, entre outros), cursos especializados e, em contrapartida, abriu concursos para a polícia civil, construiu um prédio de três andares para abrigar o Departamento de Homicídios (antiga Delegacia de Homicídios).
O modelo adotado foi o do Pacto pela Vida, de Pernambuco, que em dois anos logrou uma redução da criminalidade mais expressiva do que em Bogotá e Nova York, diz Cardozo.
Juntou-se Secretaria Segurança Pública, a da Saúde (para combate ao crack), a do Desenvolvimento Social e o próprio governador Teotonio Vilella, diretamente envolvido em reuniões mensais.
Os aspectos criminais ficaram com a Segurança Pública, Tribunal de Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública.
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O segundo eixo foi a política de fortalecimento do policiamento ostensivo e de proximidade. Haverá intervenções pontuais da Força Nacionl de Segurança Pública. Mas o esforço maior será o do Estado, através da abertura de concurso para a Polícia Civil, montagem de sistemas de webcams e monitoramento das regiões mais violentas.
O terceiro eixo será o da destruição das armas de fogo, em uma campanha do desarmamento.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Porque substituir o PIB como medida



Coluna Econômica - 18/06/2012, por Luis Nassif
Uma das grandes discussões - suscitadas pela Conferência Rio+20 sobre o meio ambiente - é a respeito do PIB (Produto Interno Bruto) como indicador fundamental de desenvolvimento.
Há décadas o PIB tornou-se fetiche, sinônimo de possibilidades de melhoria dos cidadãos, de geração de emprego, de acesso ao desenvolvimento sustentado, principal objetivo perseguido pelas políticas econômicas de todos os países.
Ele mede a produção de riquezas do país, tudo aquilo que é gerado pela economia de um país durante um ano.
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Suas inconsistências são óbvias, mas pouco discutidas:
Na contabilidade há o conceito de depreciação. Significa que a cada ano se desconta - como despesa - o desgaste natural de equipamentos e de ativos físicos da companhia. O PIB ignora esses aspectos. Se um país detona suas reservas naturais durante determinado período, seu futuro estará irremediavelmente comprometido. Mas, enquanto dura a farra, o PIB cresce.
Outro exemplo. Um terremoto ou tsunami destrói parte relevante de um país. Haverá a reconstrução. Todo o trabalho de reconstrução será tratado como crescimento, pelo PIB, mesmo que no final do processo o país volte à mesmíssima situação pré-desastre.
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O PIB não mede níveis de renda. Adota-se o PIB per capita como tal medida - entendido o PIB total dividido pelo número de habitantes do país. Pode-se melhorar o PIB per capita meramente deixando os ricos mais ricos e os pobres mais pobres.
Melhor distribuição de renda leva ao fortalecimento do mercado interno e, por consequência, da produção e do emprego internos. Maior concentração, muitas vezes, meramente faz com que os mais ricos transfiram seus ativos para economias com maiores oportunidades de crescimento.
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Mesmo para países já desenvolvidos, será fundamental a mudança dos critérios de crescimento.
Por exemplo, o motor atual de crescimento da economia mundial é o consumismo, muitas vezes desenfreado.
Uma das alternativas da economia verde é substituir gradativamente essas alavancas de crescimento por outras baseadas em serviços públicos massificados - como educação, saúde, segurança.
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Substituir o PIB por indicadores de bem estar e sustentabilidade é fundamental para as mudanças culturais necessárias, tanto para moderar o apetite dos países ricos como para permitir o desenvolvimento dos países pobres em bases racionais.
Os pontos centrais de um novo indicador deveriam contemplar:
1. Indicadores de segurança individual. Entram aí não apenas a garantia de acesso à saúde, educação e segurança propriamente dita, mas a garantia  de uma aposentadoria digna como direito inalienável. Um dos principais impulsionadores da angústia das famílias, é acumular patrimônio visando assegurar a velhice.
2. Uma economia voltada ao bem estar dos seus cidadão exigirá serviços cada vez mais sofisticados, grandes geradores de emprego. Inclui-se aí a chamada economia criativa, fonte inesgotável de lazer, afirmação da nacionalidade.
3. Indicadores claros de sustentabilidade. Bem desenvolvido, viabilizará um novo modelo de economia agrícola, de agrovilas, de exploração racional da diversidade.
4. Indicadores de felicidade nacional. Uma vida segura substituiu a angústia do status, da troca de carros a cada ano.