quinta-feira, 29 de março de 2012

Favela vai virar estação da CPTM


Favela vai virar estação da CPTM

CAIO DO VALLE
A região central de São Paulo vai ganhar uma nova estação de trem. Até 2015, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) planeja inaugurar uma parada no terreno hoje ocupado pela Favela do Moinho, em Campos Elísios. Segundo o presidente da companhia, Mário Bandeira, três linhas atenderão o local: a 7-Rubi (Jundiaí-Luz), a 8-Diamante (Itapevi-Júlio Prestes) e o Expresso Leste (que atualmente vai de Guaianazes à Luz).
“Estamos com o projeto funcional em curso e esperamos, no segundo semestre, contratar o básico e o executivo”, disse o dirigente na semana passada. O nome da estação será Bom Retiro. Ela atenderá, conforme a estimativa da CPTM, cerca de 30 mil passageiros por dia. A elaboração do projeto funcional custará R$ 140 mil. De acordo com Bandeira, as obras devem começar no fim de 2013.
O problema é que boa parte das pessoas que vivem na favela ainda não têm opções de moradia fora dali. A Secretaria Municipal de Habitação, responsável pelo remanejamento, informou ontem que, desde janeiro, 815 famílias da comunidade cadastradas pela equipe social da pasta recebem ajuda para pagar aluguel. Além disso, todas receberão moradia definitiva em conjuntos que serão construídos em áreas vizinhas ao local. A Prefeitura, porém, não informou quais são elas.
As 407 famílias diretamente afetadas pelo incêndio que, em dezembro, consumiu o prédio abandonado do Moinho Central, matando duas pessoas, teriam optado pelas unidades habitacionais que já estão em construção na Vila dos Remédios, na zona oeste. Elas representam cerca de metade dos moradores cadastrados.
Entretanto, a aposentada Neide Aparecida Campos, de 61 anos, que mora na favela, reclama da falta de informações para quem ficou. “Estamos sem saber nada. De uns tempos para cá, a Prefeitura sumiu. Não sabemos quando, exatamente, teremos que sair.”
A Prefeitura informou quando os conjuntos habitacionais para as famílias serão entregues. O JT visitou o local ontem e viu muitas pessoas vivendo sob o Viaduto Engenheiro Orlando Murgel, ao lado da comunidade, em chão de terra batida. O carroceiro João Miguel da Silva, de 55 anos, era uma delas. “Dizem que vão dar apartamentos. Estamos esperando.”
Várias crianças e idosos arriscavam-se atravessando a linha férrea – com intenso fluxo de trens – que passa sob a estrutura. Segundo a Prefeitura, a área da favela é de 30,1 mil metros quadrados.
Nos projetos da gestão Gilberto Kassab (PSD), pela região da comunidade passarão uma avenida e um parque, e as linhas de trem serão enterradas. Trata-se da Operação Urbana Lapa-Brás, que não tem um prazo para sair do papel.
Apesar disso, o presidente da CPTM disse que a Estação Bom Retiro já será construída prevendo a mudança. Enquanto a estação for na superfície, o mezanino ficará embaixo da parada. Depois, atenderá as linhas subterrâneas.

O papel das prefeituras na disseminação de ideias



Coluna Econômica - 29/03/2012
O grande desafio brasileiro, nos anos 90, era a ausência de redes sociais, estruturas nacionais que pudessem ser articuladas para a implantação de grandes políticas públicas. Alguns anos antes o poder havia sido devolvido à sociedade civil, só que não havia sociedade civil de âmbito nacional, com exceção de alguns clubes de serviços e de algumas organizações empresariais e religiosas.
Foi uma década fervilhante em ideias, mas que sempre esbarravam nessa ausência de redes. Os institutos de pesquisa poderiam pensar em inovações tecnológicas incrementais para pequenas empresas. Mas quem se incumbiria da sua disseminação?
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Aos poucos várias redes foram se formando. O Sebrae logrou montar uma rede nacional, com variações em cada estado da União. As próprias confederações empresariais e sindicais lograram alguma abrangência.  Empresas pública, como o Banco do Brasil, foram incumbidos dessa ação de disseminação de conceitos. Principalmente o SUS (Sistema Único de Saúde) tornou-se referência nacional em modelo de ação federativa.
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O salto final, no entanto, está se dando no âmbito da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP). Acompanhei seu início, em fins dos anos 80, sob a liderança da então prefeita paulistana Luiza Erundina.
De lá para cá o movimento ganhou musculatura. Com a Lei Geral da Pequena e Microempresa, está se formando uma rede nacional de agentes de desenvolvimento, lotados em cada prefeitura.
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Durante décadas, no Brasil, academias desenhavam modelos de desenvolvimento tendo como ponto central a grande empresa. Julgava-se que fortalecendo os setores mais modernos, eles, por si, arrastariam a economia atrás, em um esforço modernizante.
Foi fundamentalmente esse o modelo empreendido por Fernando Henrique Cardoso e que, de certo modo, copiava as ações de Albert Hirschmann na Colômbia, no início dos anos 50. País pobre, sem estrutura industrial, sem mercado de capitais, a única maneira de promover o desenvolvimento, segundo Hirschman, seria eleger alguns setores para serem campeões e disseminarem os novos conceitos para o restante da economia.
Era essa a posição de um dos grandes economistas brasileiros, Ignácio Rangel, quando, nos anos 60, defendia o fortalecimento do setor financeiro para que se transformasse na ponta de lança da economia.
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Hoje em dia, pode-se abrir mão dessas gambiarras. O país tem uma estrutura industrial e de serviços, tem organizações de cunho nacional e, agora, tem a estrutura das prefeituras podendo atuar de forma coordenada.
Essa é a face sustentada do desenvolvimento, a formação de redes econômicas, de pequenos, micro empresários organizando-se em cooperativas, em arranjos produtivos, ou em torno de estruturas mais fortes.
E aí o papel do prefeito é fundamental. Caberá e ele a coordenação das forças locais, a identificação das carências, a prospecção das fontes de financiamento.
É um duro trabalho de construção social, até porque a maioria das prefeituras carece de quadros técnicos mínimos. Mas não existe outra maneira de construir uma nação. É através dessas redes, e não de planos econômicos mirabolantes, que o país se tornará primeiro mundo

terça-feira, 27 de março de 2012

De onde vêm as boas ideias? Do site Opinião e Notícia


De onde vêm as boas ideias? Por séculos, todo o crédito desses misteriosos presentes foi para a fé, sorte e algumas musas mitológicas. Mas presumir que a criatividade é um aspecto elevado, concedido apenas a alguns é tanto contraproducente como tolo, argumenta Jonah Lehrer em Imagine, um inteligente novo livro sobre “como a criatividade funciona”. Utilizando-se de um grande conjunto de pesquisas científicas e sociológicas– incluindo a poesia de W.H. Auden e os filmes da Pixar – Lehrer argumenta de modo convincente que a inovação não só pode ser estudado e medida, como também nutrida e encorajada.
Nos arredores de St. Paul, Minnesota, localiza-se o extenso quartel general corporativo da 3M. A empresa vende mais de 55 mil produtos,dentre os quais lâmpadas de postes e telas sensíveis ao toque, e é ranqueada como a terceira empresa mais criativa do mundo, mas quando Lehrer fez uma visita, ele encontrou funcionários fazendo toda sorte de frivolidades, como jogar pinball e passear a esmo pelo terreno. Na verdade, esses funcionários são impelidos a incluir em seus expedientes pequenos intervalos, porque o distanciamento pode contribuir para surgir um insight. Isto se dá porque interromper o trabalho com uma atividade relaxante permite à mente se voltar para dentro, onde é possível resolver um problema e criar conexões sutis em um nível subconsciente (o cérebro encontra-se incrivelmente ocupado em momentos de devaneio). “Isso explica porque tantos insights acontecem durante banhos quentes”, diz Joydeep Bhattacharaya, um psicólogo da Universidade de Londres, em Goldsmith.
Entretanto, essa é apenas uma das razões que explica a produção criativa da 3M (e a 3M é apenas um exemplo dentre muitos deste livro). A empresa também encoraja seus funcionários a se arriscar, não só investindo em pesquisa (8% de seu faturamento bruto), mas também por esperar que seus empregados dediquem cerca de 15% de seu tempo a ideias especulativas. A razão do sucesso dessa abordagem – e o porquê desta ter sido imitada por outras companhias astutas como a Google – deve-se ao fato de que muitos avanços se dão quando pessoas vão além de suas áreas de especialização. Geralmente é preciso que alguém de fora faça perguntas bobas para que uma solução pouco convencional seja gerada. É por isso que os jovens tendem a ser os mais inovadores em todos os campos, como na física e na música.
Trata-se de um livro cativante e inspirador que revela a criatividade mais como um potencial do que como um sinal de rara inteligência. Lehrer conclui com um apelo por métodos que “aumentam a criatividade coletiva”. Ele sugere uma maior permissão à imigração, maior abertura a riscos e mais possibilidades de apropriações e adaptações culturais (ao cortar pela raiz a enxurrada de patentes e pedidos de copyrights vagos). Ele também adverte que o trabalho toma muito tempo, suor e persistência. Ou, como disse Albert Einstein: “a criatividade é o resíduo do tempo desperdiçado”.

Deus está nos detalhes



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Na Amazônia, o grande desafio é valer-se de imensos territórios cobertos de floresta que abrigam uma abundante biodiversidade, riquezas, em sua maioria, ainda desconhecidas na sua utilidade e no seu valor, para promover o desenvolvimento. Um desenvolvimento que produza e reproduza, em fluxo permanente, riqueza, renda, bem-estar, qualidade de vida e preserve as raízes culturais e a identidade dos povos que construíram a história de cada lugar. Em resumo, é preciso integrar desenvolvimento e sustentabilidade num processo único.
A solução põe-se como o enigma da esfinge de Tebas: “decifra-me ou te devoro”. Ela é sempre especifica, própria a cada território. Aos que não acharem o caminho justo restará o ônus do conflito entre a ambiciosa empresa humana e os limites da natureza. Está claro que os caminhos, as opções de resolução, dependem das relações sociais específicas de cada lugar, mas sempre no contexto mais amplo das assimetrias da realidade brasileira.
A essa discussão subjaz a questão prática: qual a estratégia para fazer o desenvolvimento econômico, sem predação dos recursos ambientais e, especialmente, sem avançar na fronteira de desflorestamento para que se reduza, sistematicamente, a taxa de desmatamento?
Na Amazônia Ocidental, estão em curso três experiências diferenciadas. O estado do Amazonas aposta no desenvolvimento de uma economia urbana-industrial, por meio da zona Franca de Manaus, com efeito multiplicador em toda a economia estadual. Garante a preservação dos ecossistemas, mas produz um enorme desequilíbrio espacial.
Rondônia alicerça seu desenvolvimento no agronegócio e na agroindústria que resultaram em efeitos destrutivos nos recursos naturais. Certamente, esbarrará  em limites ambientais intransponíveis. O Acre optou por uma saída equilibrada que harmoniza desenvolvimento econômico, conservação dos recursos florestais, inclusão social, equilíbrio territorial, valorização da cultura e identidade locais, que tem raízes na sua história e em suas  populações tradicionais.
Todas as dimensões da estratégia são importantes, porém duas são determinantes: a economia e a cultura. O desafio é fazer crescer o produto econômico com o  incremento da produtividade no conjunto da economia. Expansão econômica e produtividade são as variáveis essenciais da equação do desenvolvimento. Aliás, desenvolvimento econômico, conceitualmente, manifesta-se fundamentalmente como aumento da produtividade da economia.
A industrialização, que cria oportunidades para elevação do padrão tecnológico, é a opção mais eficaz para aumentar a produtividade que permite o aumento do produto interno, com redução ampla e significativa do crescimento da produção extensiva. O crescimento da produção industrial será acompanhada pela agregação de valor à pequena indústria, ao extrativismo, à produção agrícola familiar, à pecuária e, de modo geral, aos pequenos negócios.
A elevação da produtividade da agropecuária nas áreas abertas resultará na substituição da produção extensiva pela intensiva. O que significa maior produção na mesma área de terra. Com a mudança, será possível evitar desmatamento e aumentar a produção, ao mesmo tempo. A intensificação da produção nas áreas já desmatadas é a saída tecnológica para garantir aos agricultores familiares espaço para produção e tornar residual o desflorestamento.
Desenvolver a produção florestal, pelo manejo sustentável dos recursos, valorizando os ativos florestais, é também uma forma de evitar desmatamento. De fato, aumentar a produtividade supõe o emprego de novas tecnologias: a mecanização do preparo do solo, a calagem, a mecanização da colheita, o uso de fertilizantes, a rotação de culturas com leguminosa, enfim um manejo racional dos cultivos e criatórios.
Ocorre que uma apreciável fração desses solos experimenta processo de degradação.  Não haverá desenvolvimento agrícola no Acre sem recuperação das áreas em processo de degradação. Para isto, além da aração, gradagem e rotação de culturas com leguminosas, uma prática é imprescindível: a calagem. A correção da acidez pela aplicação de calcário à terra.
É um detalhe, aparentemente trivial, no conjunto das operações de cultivo. Os ingleses sugeriram que “o diabo mora no detalhe”. É um jeito negativo de perceber o mundo.
Conta-se que Ricardo III, na guerra contra Henrique - Conde de Richmond, em batalha que decidia o trono da Inglaterra, ordenou ao cavalariço que buscasse o seu cavalo. A batalha ia começar, o inimigo avançava. Mas faltaram pregos ao ferreiro para pregar a última ferradura do cavalo. O cavalariço insistiu que tinha pressa, não podia esperar, que fizesse com o material disponível. O ferreiro o fez, ressalvando que a ferradura cairia. Foi o que aconteceu. O cavalo e o rei caíram no momento decisivo da batalha.  O rei, desesperado, gritava: um cavalo! Um cavalo!  Meu reino por um cavalo! Ricardo III perdeu a batalha e o trono. À falta de um prego, perdeu-se a ferradura. À falta de uma ferradura perdeu-se um cavalo! À falta de um cavalo perdeu-se uma batalha. Perdida a batalha, perdido o reino. O despretensioso prego fez ruir um reino.
O significado essencial da história, não o relato descritivo, faz-nos lembrar a viagem recente do governador Tião Viana ao Juruá. Na oportunidade entregou às lideranças das comunidades de agricultores familiares 4.000 toneladas de calcário. Não fosse pela montanha mostrada na mídia, o fato passaria certamente despercebido. “Deus está no detalhe”. Na aparência, detalhe de escassa relevância.
O governo vai entregar, e incorporar ao solo 2t de calcário por família de agricultores, para plantios de 1,0 ha, nos municípios de Cruzeiro do Sul, Rodrigues Alves e Mâncio Lima. Com este procedimento, estima-se um aumento de produtividade de 50 por cento e um ciclo de reposição do calcário de 6,0 anos. Era uma reivindicação reiterada dos trabalhadores rurais do Juruá, que lavram terras de fraca produtividade, em estágio avançado de degradação.
O aporte deste corretivo ao solo tem efeitos profundos e abrangentes. Tem impacto no paradigma de desenvolvimento do Estado.
Aplicação de calcário e leguminosa gera redução de acidez do solo e disponibilidade de nutrientes. Calcário e leguminosa geram maior fertilidade do solo. A fertilidade aumenta a produtividade. O aumento da produtividade propicia o crescimento vertical da produção.
Produção vertical significa maior produção na mesma área. Maior produção na mesma área evita desmatamento. Isto leva à redução drástica da taxa de desflorestamento. A consequência é a conservação da floresta. E esta é determinante para o desenvolvimento sustentável.
O uso do calcário, que parece um detalhe do gerenciamento da produção, constitui-se em fator determinante da mudança do paradigma de desenvolvimento. É o detalhe que suscita, por trás da irrelevância aparente do fato, a descoberta, a criação, para a solução como resultado de uma inspiração divina. Como afirmava Ludwing Mies Van Der Rohe, um dos grandes mestres da arquitetura moderna, “Deus está nos detalhes”.
José Fernandes do Rêgo, secretário de Estado de Articulação Institucional

Os fatores de competitividade no Brasil


Coluna Econômica - 27/03/2012 Nassif

Recém-saído da reunião da presidente Dilma Rousseff com os empresários nacionais, na sexta-feira passada, Jorge Gerdau fez a apresentação de encerramento da assmbléia de dez anos do Movimento Brasil Competitivo (MBC), a OSCIP criada como forum de parceria entre setor público e privado, visando a melhoria da gestão no país.
É um contraponto interessante à entrevista que Dilma Rousseff me concedeu semanas atrás.
Gerdau constatou que os governos se movem por períodos de quatro anos - que correspondem às eleições. Portanto, há a necessidade de definir uma visão estratégica que transcenda um mandato e possa ter continuidade.
Esse planejamento de longo prazo depende do amadurecimento do país e da consolidação de ideias e princípios. À medida que o governo vai incorporando metas e processos na sua gestão, essa exigência - da visão de longo prazo - acaba se impondo, diz ele.
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Do lado empresarial, a melhoria da eficiência depende fundamentalmente da área pública, diz ele. 40% do PIB é do setor público, 20% da União, 10% dos estados e o restante dos municípios.
Assim, cada ponto de avanço melhora a competitividade sistêmica da economia.
Nos produtos exportados, há pedaços de educação, de saúde, de inovação. As empresas precisam avaliar o conjunto de fatores, inclusive para apoiar aqueles que são essenciais para a economia.
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Em sua opinião, além da questão do câmbio, há 4 pontos que impactam diretamente a competitividade da indústria brasileira.
1. Educação.
Gerdau admite que houve bons avanços nos últimos anos. Mas julga que tem que se avançar mais, estabelecer metas atrevidas, mesmo que pareçam impossíveis de serem alcançadas.
O cidadão, o operário precisam ser integrados ao mercado de trabalho. Tem que se estabelecer uma meta de, em dez anos, eles alcançarem o grau de excelência de um operário sul coreano.
Recente pesquisa do IBOPE, bancada pelo Movimento Todos Pela Educação constatou que 40% dos alunos do 5o ano são analfabetos funcionais.
Esse ponto é fundamental, diz ele, como fator de viabilização das pequenas e médias empresas, já que as grandes conseguem se virar por conta própria.
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2. Logística.
3. Questão tributária.
Se se analisar a cadeia produtiva automobilística, e medir o impacto dos tributos federais (IPI, IR, Pis-Cofins), estadual (ICMS) e municipal (ISS, IPTU) vai-se constatar uma carga tributária escondida da ordem de 15% a 20%, contra zero dos importados.
Essas distorções têm provocado um aumento desmedida das importações de insumos, desestruturando a cadeia produtiva.
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Junto com a questão tributária vem a excessiva burocracia. Nos EUA, diz ele, as grandes empresas têm dez técnicos par cuidar de questões tributárias. A Gerdau tem 100, a Petrobrás, 900. É um exército de funcionários que poderia estar gerando riqueza, mas ficam imobilizados pelas questões burocráticas e pela complexidade do modelo tributário.
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O quarto ponto é a inovação, diz ele.
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Apesar desses problemas, Gerdau considera que nos últimos dez, quinze anos, os avanços foram fantásticos. E acredita que, mantendo o atual ritmo de gestão, 8 anos de Dilma poderão mudar a face do país.

sexta-feira, 23 de março de 2012

FGTS injeta R$ 94,4 bilhões na economia em 2011


Pautas | Secom - Presidência da República 22/03/2012 10:08:51 | 122 Acessos

 
Foram R$ 37,7 bi em financiamentos e R$ 56,7 bi em saques
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) injetou R$ 94,4 bilhões na economia em 2011, sendo R$ 56,7 bilhões em saques e R$ 37,7 bilhões em financiamentos em habitação, saneamento básico e infra-estrutura urbana.
Somente os programas de habitação popular receberam financiamento de R$ 31,7 bilhões, para aquisição, construção, reforma de imóveis e urbanização de áreas ocupadas, que beneficiaram mais de dois milhões de brasileiros.
Os programas do FGTS também foram destinados ao Programa Minha Casa, Minha Vida. Em 2011, o Fundo destinou ao programa R$ 19,5 bilhões de recursos para financiamento habitacional, dos quais R$ 17,1 bilhões destinaram-se a famílias com renda de até cinco salários mínimos, resultado que superou em R$ 3,9 bilhões o volume de recursos de 2010.
Além desses recursos, o FGTS destinou R$ 5,3 bilhões para pagamento de parte do preço de aquisição da moradia dessa população, na forma de descontos em financiamentos habitacionais vinculados ao programa Carta de Crédito. No total, mais de 410 mil unidades financiadas receberam subsídios, das quais mais de 305 mil dentro do Programa Minha Casa, Minha Vida.
As 34 milhões de operações de saques somaram R$ 56,7 bilhões - 15,5% mais do que em 2010. Deste total, R$ 7,6 bilhões foram usados por cotistas do Fundo para quitar, comprar ou reformar a casa própria.
Resultado - Mesmo com o aumento dos saques, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) teve no ano passado um crescimento de 16,9% em relação a 2010. Em 2011, a arrecadação bruta foi de R$ 72,2 bilhões, o que propiciou uma arrecadação líquida, também recorde, de R$ 14,6 bilhões, 22,7% maior que em 2010.
O aumento se deve ao ritmo de formalização do mercado de trabalho. No ano passado, foram abertas 2,3 milhões de contas vinculadas do Fundo, elevando o número de trabalhadores beneficiados de 32,5 milhões para 34,8 milhões.
Os números positivos do Fundo, de acordo com a Caixa Econômica Federal, se devem ao aumento da renda nacional, à contínua geração de novos empregos e à estabilidade econômica brasileira. “O Conselho tem sempre buscado o consenso para dar celeridade às ações do Fundo e isso contribuiu para os números recordes de 2011”, diz o secretário-executivo do Conselho Curador do FGTS, Quenio Cerqueira.
Qualidade urbana - No setor de Infra-estrutura Urbana foi investido um total de R$ 2,1 bilhões nas 34 contratações efetivadas em 2011. Ao setor de saneamento básico foi destinado R$ 1 bilhão no financiamento de 24 obras de sistemas de abastecimento e manejo de água e no tratamento de esgotos, que melhoraram a qualidade de vida de cinco milhões de pessoas.
No ano passado foi possível, pela primeira vez, o saque por trabalhadores brasileiros residentes nos Estados Unidos e Japão, que sacaram R$ 7,1 milhões. A partir de maio, trabalhadores residentes na Europa também poderão sacar o benefício sem precisar se deslocar ao Brasil.
Orçamento deste ano prevê R$ 43,9 bilhões
O Fundo de Garantia tem um orçamento de R$ 43,9 bilhões para este ano (veja tabela). A maior parte dos recursos vai para habitação popular, sendo que R$ 4,4 bilhões serão oferecidos como desconto nos financiamentos de moradias para baixa renda.

Investimento do FGTS para 2012 (em R$ bilhões)
Destino
Orçamento

Financiamento para Habitação
29,5

Desconto em crédito para casa popular
4,4

Saneamento básico
5

Infraestrutura urbana
5

TOTAL
43,9

Fonte: FGTS/Caixa

Riscos e oportunidades no estilo rompedor de Dilma


Coluna Econômica - 23/03/2012

Ontem o PIB nacional reuniu-se com a presidente Dilma Roussef. O encontro faz parte do conjunto de iniciativas da presidência, visando estimular investimentos do setor privado e reerguer a indústria de transformação nacional.
É desafio para gente grande. Primeiro, desmontar a armadilha do câmbio e juros. Depois, melhorar o ambiente econômico. Simultaneamente, montar sistemas de defesa comercial e amparar setores mais vulneráveis à concorrência externa. Tudo isso em meio a uma guerra cambial e comercial que tenderá a se acirrar.
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Amparada em índices recordes de aprovação, Dilma ambiciona mais: não apenas mudar o ambiente econômico como também o político nacional.
Mudou as lideranças governistas no Congresso e passou a estimular dissidências nos partidos que compõem a base aliada. Sua intenção é instituir relacionamento republicano entre partidos, acabando com as barganhas e a apropriação da máquina pública pelos interesses partidários.
Trata-se de um velho sonho da opinião pública. A questão que se coloca é se a estratégia de abrir várias frentes de conflito é a mais adequada.
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Ao assumir a presidência da República, o ex-presidente Fernando Collor chegou com a gana de quem tem a bala única para utilizar, seja contra a hiperinflação herdada de Mailson da Nóbrega, seja em relação à economia fechada legada pelo regime militar.
Foi impichado, muito mais pelo não atendimento das demadas do que por seus erros pessoais.
Nenhum escapou desse jogo, nem Fernando Henrique Cardoso, nem Lula. Resistiram porque souberam agir com pragmatismo na frente política.
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Dilma está vivendo seu melhor momento. No decorrer do ano, o desemprego deve aumentar e a economia deve sofrer os abalos da crise internacional e da própria crise da indústria de transformação. Por enquanto, há índices recordes de geração de emprego, índices recordes de popularidade da presidente.
E no futuro? Quem conversa com Dilma sai com uma sensação e dois sentimentos diferentes. A sensação é a segurança que ela passa, a determinação, a vontade de mudar o país.
Os sentimentos, dúbios, vão entre a esperança de que ela caminha com segurança, mesmo no campo político; e o receio de que esteja abusando da auto-confiança.
Ela foi a campo, enfrentou velhos coronéis políticos encastelados nos partidos da base, sem ao menos ter a retaguarda de uma reforma política que reduzisse sua influência no jogo.
No Palácio, não há algodão entre cristais: é choque direto. Com exceção do vice-presidente Michel Temer - do PMDB - não parece haver o articulador capaz de apagar incêndios e promover mudanças menos radicais.
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Nas próximas semanas, Dilma deverá romper com o isolamento e conceder uma série de entrevistas a diversos veículos, o que ajudará a fortalecer seu discurso e sua estratégia.
Esse voluntarismo encanta, mas preocupa. O jogo político é insidioso e criativo para colocar presidentes em sinuca. E há um sentimento ainda não superado de revanche por parte da velha grande mídia.
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Um pouco de cautela e caldo de galinha não faria mal, neste momento.

quinta-feira, 22 de março de 2012

O desafio de retomar os investimentos


Coluna Econômica - 22/03/2012
Hoje a presidente Dilma Rousseff reunirá 15 dos maiores empresários brasileiros para estimulá-los a investir mais no Brasil. Constatou-se que os grandes grupos estão com o caixa cheio e com alguma indecisão ainda em retomar investimentos graúdos. A intenção da presidente é estimular o chamado “espírito animal” do empresário.
Para deflagrar uma nova onda de investimento privado, no entanto, é importante entender melhor a dinâmica do desenvolvimento.
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O primeiro e mais relevante passo é a criação de um mercado interno robusto. Já se tem, tanto no mercado de consumo de massa quanto no que se convencionou chamar de “gargalos” – que nada mais são do que pontos de demanda não atendida.
Além disso, o pré-sal criará uma demanda adicional incalculável para os setores de máquinas e equipamentos, naval, de mobiliário etc.
Tendo-se a demanda, o passo seguinte é viabilizar a produção. Para tanto, há que se ter duas condições especiais: capital para financiar o investimento e condições de competitividade em relação ao produto importado.
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A primeira condição será alcançada com a mera redução da taxa Selic. A única influência da taxa é nas decisões de investimento. Baixando a Selic, os fundos de pensão, fundos de investimento, as próprias grandes companhias, terão que sair do conforto da renda fixa para a renda variável.
Hoje em dia já se tem um mercado de capitais bastante sofisticado para promover essa reciclagem da poupança.
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Resta o último grande desafio: a competitividade do parque industrial brasileiro.
Há duas maneiras de tornar o produto brasileiro competitivo: qualidade (mais inovação tecnológica) e preço.
Há uma lógica nos modelos cambiais: quando a economia é pouco competitiva, compensa-se com câmbio fraco, moeda desvalorizada. Isso faz com que se consiga competir nos mercados globais com preços baratos. Depois, à medida que as empresas vão ampliando as vendas, ganham fôlego para investir em pesquisa, inovação, novos produtos.
Todo grande modelo de desenvolvimento mundial – Inglaterra, Japão, Itália e Alemanha no pós-guerra, Coreia, China – percorreu esse caminho. A lógica é simples: só depois de ampliar as vendas externas, ganhar dimensão, ter escala, mercado, a empresa conseguirá fôlego para investir em pesquisa e inovação.
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Há outros fatores relevantes na definição de preço: o chamado custo Brasil. Entram nessa equação a estrutura de juros, o peso dos impostos, a infraestrutura, a burocracia pública. Quanto menos se avançar nesses itens, maior será o peso do câmbio.
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Na entrevista que me concedeu, algumas semanas atrás, a presidente Dilma Rousseff enfatizou que seu grande desafio será a consolidação do parque industrial brasileiro.
Por enquanto, a Fazenda tem avançado apenas em questões pontuais de defesa comercial ou desoneração tributária de um ou outro setor.
Trata-se de um anacronismo – em termos de política industrial. E, nesse ponto, os mercadistas têm razão: em vez da proteção de um ou outro setor, como que querendo tapar os furos de uma peneira, há que se avançar em soluções sistêmicas, que abranjam toda a economia brasileira.

terça-feira, 20 de março de 2012

Contardo Calligaris - Micróbios dominadores


Os micróbios que vivem no nosso corpo podem influenciar nosso comportamento 


Em 2010, nos "Annals of Epidemiology" (http://migre.me/8ftEa), li uma pesquisa que achei inquietante: ela confirmava uma dúvida que me assombrara por um bom tempo, a partir dos meus oito anos. 
Com essa idade, aprendi que, mesmo sem estarmos doentes, somos habitados por bactérias, vírus, parasitas e fungos, que prosperam dentro de nosso organismo.

E me interroguei: esses micróbios, além de fazerem (eventualmente) com que a gente adoeça, não estariam dentro de nós como pilotos numa imensa espaçonave? Apesar de acreditarmos em nossa autonomia, quem sabe eles não estejam, de fato, no volante de nossa vida?

Justamente, os autores da pesquisa, Chris Reiber, J. Moore e outros, queriam saber se um vírus pode mandar em nós -não só alterar nosso humor, mas realmente influenciar nosso comportamento. 
Eles descobriram que os infectados pelo vírus da gripe, durante o período da incubação (em que são contagiosos, mas não apresentam sintomas), tornam-se especialmente sociáveis. Em outras palavras, os infectados parecem agir no interesse do vírus, que é o de contagiar o máximo possível.

Claro, não é que os micróbios se sirvam da gente para levar a cabo um "plano" maquiavélico. Mas se entende, com Darwin, que um vírus que nos torne sociáveis durante a incubação só pode se dar bem na seleção natural, pois ele se espalhará facilmente. Ou seja, os micróbios mais eficientes seriam os que conseguem nos usar em seu interesse próprio, os que nos transformam em seus súcubos. 
O que sobraria de nossa "autonomia" se todos os micróbios enquistados no nosso organismo influenciassem (silenciosamente) nossos pensamento e comportamento?

Kathleen McAuliffe, na "The Atlantic" de março (http://migre.me/8fwvb), conta a história de Jaroslav Flegr, um cientista que, há 20 anos, pretende que um parasita, o Toxoplasma gondii, manipule e transforme os que ele infecta.

O hospedeiro definitivo do Toxoplasma gondii é o gato, em cujo corpo o parasita se reproduz sexualmente. Seu hospedeiro intermediário típico é o rato, que se infecta ao ingerir o Toxoplasma (direta ou indiretamente) nas fezes do gato e, logo, ao ser comido por um felino, leva o parasita de volta para seu hospedeiro definitivo.

Agora, o Toxoplasma pode infectar qualquer mamífero, enquistando-se no tecido muscular e no cérebro. Nos humanos, ele é presente em 55% dos franceses (comedores de carne crua -claro, de boi infectado) e em 10 a 20% dos norte-americanos. Em tese, pouco importa, pois o Toxoplasma só seria perigoso na gravidez, quando produz malformações fetais. Mas será que esse é seu único efeito?

Há mais de uma década, descobriu-se que o Toxoplasma altera o comportamento dos ratos infectados, tornando-os atrevidos e fãs do cheiro da urina de gato (de que normalmente eles fugiriam). Ou seja, o Toxoplasma transforma o rato numa presa mais fácil para o gato, no estômago do qual o parasita quer acabar sua viagem.

Outra surpresa. Nos ratos (e só neles), o parasita pode ser transmitido por via sexual; ora, verifica-se que os ratos machos infectados são inexplicavelmente mais desejáveis aos olhos das fêmeas. 
Um parasita capaz de influenciar o cérebro do rato, seu hospedeiro intermediário preferido, não teria efeito algum quando se instala no nosso cérebro?

Para começar, o Toxoplasma parece produzir em nós alguns efeitos parecidos com os que ele produz nos ratos: por exemplo, muitos humanos infectados passam a achar agradável o cheiro da urina de gato. Nada dramático: a gente é raramente comido por gatos (mas resta a pergunta: se você adora gatos, é porque gosta mesmo ou porque carrega o Toxoplasma gondii no seu cérebro?).

Há mais: a presença do Toxoplasma gondii no cérebro alavanca a produção de dopamina, um neurotransmissor cujo excesso é um dos fatores no conjunto de causas possíveis da esquizofrenia (http://migre.me/8fxYX). 

Enfim, o fato é que estamos começando a descobrir que os micróbios aparentemente inócuos que vivem no nosso corpo podem influenciar nosso comportamento. 
Não acredito que sejamos os títeres de germes, parasitas, fungos e vírus, mas, certamente, o ambiente que nos constitui e determina não é só o das interações com nossos semelhantes. É também o de interações misteriosas com seres que sequer enxergamos. Inquietante, hein?

ccalligari@uol.com.br
@ccalligaris

Luiz Felipe Pondé - A síndrome de Schmidt


Apesar das modas, as mulheres temem a subjetividade masculina como o diabo teme a cruz


Não, não se trata de uma doença nova, caro leitor. Apenas de um filme cujo título é "As Confissões de Schmidt", do diretor Alexander Payne, o mesmo de "Os Descendentes", que concorreu ao Oscar neste ano, mas muito melhor do que esse.

Para começar, Schmidt é Jack Nicholson, o que já garante metade do filme. Mas o filme vai muito
além desse grande ator.

Síndrome de Schmidt, nome que eu inventei, descreve o quadro de total melancolia em que se encontra o personagem central, um homem de 60 anos, após a aposentadoria e morte repentina da sua mulher. Mas qual é o diagnóstico diferencial com relação a outras formas de melancolia? Vejamos.
O filme abre com um discurso de um colega em sua homenagem, quando Schmidt se aposenta da companhia de seguros em que trabalhou a vida inteira (no caso, companhia de seguros carrega todo o peso de viver para ter uma vida segura).

Logo após a morte da sua mulher, ele descobrirá que ela fora amante do colega que discursou em sua homenagem em sua cerimônia de despedida da "firma". A cena da descoberta é feita com requintes de crueldade, porque Schmidt está imerso nas roupas da mulher morta, buscando sentir seu "doce aroma" e assim matar a saudade que sente dela.

Schmidt tem uma filha que casará com um sujeito horroroso, de uma família brega que se julga especial: você conhece coisa pior do que festa de Natal em família? Sim: uma festa de Natal em família em que os presentes são frutos da criatividade ridícula dessa família, como no caso da família do genro de Schmidt.
Schmidt fazia xixi sentado como menina porque sua mulher o proibia de fazer xixi como menino, a fim de não sujar o banheiro.

Esse é sintoma diferencial da síndrome de Schmidt: esmagar-se (mesmo sua fisiologia) para deixar tudo em seu lugar, sem conflitos, amar a paz e o bom convívio em detrimento de si mesmo. No caso
específico, não há "questão de gênero" (já que banheiros estão na moda nesse assunto, vale salientar que aqui não é o caso).

Primeiro porque eu não acredito em questões de gênero, só em questões de sexo. Depois, porque não se trata de falarmos em homens vítimas da opressão feminina (ainda que se trate de alguma "opressão" nesse caso, já que, afinal, sua mulher o obrigava a fazer xixi como menina e o traiu), mas sim de falarmos de alguém que descobre que sua vida foi e é vazia, apesar de ter sido um pai e esposo dedicado, e não um desses canalhas que saem com mulheres fáceis por aí.

A síndrome de Schmidt pode e afeta também mulheres, portanto não é uma questão do sexo masculino. Mas no filme é uma questão masculina (o sexo masculino "suja banheiros") e o é antes de tudo porque, como se sabe, homens trabalham, às vezes até brincam com os filhos, mas são as mulheres que detêm o monopólio da subjetividade e da sensibilidade.

Mulheres "conhecem a si mesmas", homens não. Schmidt é uma caricatura do homem que acreditou que, cumprindo seu papel, estaria a salvo da devastação da falta de sentido da vida e do amor. Apesar das modinhas, as mulheres temem a subjetividade masculina como o diabo teme a cruz.

Homens não sabem falar de si mesmos. E, no fundo, é melhor que continuem assim (pensam as mulheres e os filhos): vivendo como Schmidt, no silêncio da função paterna e marital. Isso muitas vezes é objeto de piadas nas quais homens são comparados a carroças, enquanto mulheres são comparadas a grandes jatos.
Na realidade, a vida comum das famílias supõe que os homens continuem a trabalhar sem crises existenciais; qualquer coisa que se diga ao contrário disso é mais uma mentira da moda.

Isso não significa que não existam exceções, mas essas são apenas exceções. Homens com crises existenciais ficam sozinhos.

No caso de Schmidt, tudo que sua filha quer é seu cheque, e não sua presença. O filme é bom o bastante para mostrar que talvez nessas famílias "normais" não haja mesmo possibilidade de grandes relações entre pais e filhos, muito menos entre pai e filhos.

Talvez esse venha a ser um dos debates do século 21: o que fazer quando os homens começarem a falar?

ponde.folha@uol.com.br

Francisco Daudt - A lucidez, na FSP 19/3/'12


Se apenas ser observado por uma mulher perturba o raciocínio de um homem, que dirá o estado da paixão? 


QUEM VIU o ótimo filme argentino "O Filho da Noiva", com Ricardo Darín (ah, a inveja dos bons roteiristas hermanos), sabe que ele trata de uma senhora com demência, que já vive com seu marido há décadas, mas que ainda sonha com um casamento na igreja, desejo que seu filho se empenha em realizar. 
No entanto, a família se depara com um obstáculo: o pároco consultado diz que não pode realizar aquele casamento, pois o sacramento do matrimônio só é dado às pessoas com completos discernimentos e lucidez de escolha, coisas que faltam à velha senhora.

O filho retruca, irritado: "Padre, eu me casei com 21 e me divorciei aos 25. O sr. acredita que fiz aquela escolha em estado de plenos discernimento e lucidez? Acredita realmente? Meus pais vêm reiterando a escolha de um ao outro, que fizeram há mais de quarenta anos, e porque minha mãe sofre de Alzheimer, o sr. vem dizer que ela não pode se casar?"

O diálogo -pleno de discernimento e lucidez que o diferem do senso comum- é um dos pontos altos do filme. Afinal, é aceitável, no senso comum, que um rapaz de 21 anos esteja em condições para fazer essa escolha (casar-se) em pleno uso de suas faculdades mentais.

Não à toa, um jesuíta, renomado conhecedor do direito canônico, concluiu que cerca de 90% dos casamentos católicos poderiam ser anulados, a se levar seriamente esta cláusula de impedimento, e registrou sua opinião em livro que não li, mas me foi assegurado por um amigo católico que o leu, e que, por ser advogado, se interessa muito por tais questões. O autor: Pe. Jesus Hortal, antigo reitor da PUC-RJ. Se algum leitor tiver conhecimento do contrário, por favor, me avise.

Pois bato os olhos na revista "Scientific American" deste mês, em que o holandês Sanne Nants escreve um artigo que vem dar base à nossa percepção intuitiva. Estamos cansados de saber que os homens, em interação com uma mulher que lhes desperta muito interesse, se comportam como bobos, sem saber o que dizer, como se seus cérebros estivessem rateando.

Ora, na pesquisa, ele relata o enfraquecimento cognitivo que nos acomete antes e depois de interagir com uma mulher atraente, e que acontece com a simples antecipação mental de um encontro desses. 
O teste de Stroop foi aplicado. Ele exige rapidez cognitiva diante de um truque gráfico. Homens e mulheres o fizeram com a informação de que estariam sendo observados (através de uma câmera) por um homem ou por uma mulher, de quem eles só sabiam os nomes.

As mulheres não mostraram diferenças nas respostas, não importando o gênero do observador. Mas os homens... A despeito de não interagirem com a observadora, mostraram grande dificuldade com o teste, só de imaginar que uma mulher os observava!

Por essas e outras, tenho feito campanha para que os casais só tenham filhos (uma sociedade que não se desfaz) quando passar o estado de paixão. Veja: se o simples saber-se observado por uma mulher é capaz de perturbar o raciocínio de um homem, que dirá a paixão, que é um estado de insanidade transitória? 
fdaudt2@gmail.com