quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Declínio americano?, por Daniel Piza



A crise econômica dos EUA, afundados em dívidas que há muito se sabe que um dia eles teriam dificuldades para rolar, faz muita gente apontar um declínio breve do “império” e, em consequência, a tentar adivinhar de quem será este século 21, já que o anterior foi americano. Muitos apontam a China – ou a Ásia em geral – e alguns como o presidente Lula, cuja bravata patriótica soava e soa tão parecida com a do regime militar, chegaram a dizer que seria “o século brasileiro”. No entanto, observando culturas como a brasileira, me pergunto se a influência americana sequer começou a ceder. Assim como vai demorar para os EUA serem ultrapassados no PIB e no IDH por um mesmo país (a China pode ultrapassar no PIB até 2050, dizem, mas vai precisar de muito mais para fazê-lo no IDH), a força sedutora do “american way” também vai se estender bastante.
Para o bem e para o mal; não é disto que se trata. Um exemplo bastante claro está no uso cada vez maior, em ruas e telenovelas, de adjetivos como “popular” e “loser”. Ou seja, uma pessoa que chama atenção dos outros por sua aparência física ou habilidade esportiva e se dá bem com a maioria das outras ganha agora esse qualificativo, como se tais atributos fossem mais importantes num ser humano do que caráter e inteligência. E quem não tem sucesso profissional ou financeiro é tachado de perdedor, como se felicidade se medisse em salário, como se status substituísse vocação; cada vez soa mais estranho que alguém opte por uma carreira mais por gosto do que por retorno. Isso sem entrar em outro adjetivo corrente, “workaholic”, para designar os que acham que vidas familiar e cultural são secundárias, até que se veem tomando pílulas com Coca-Cola para aguentar o estresse.
No campo do consumo do chamado “entretenimento”, então, nem é preciso listar muitos fatos. A TV por assinatura multiplicou os seriados e programas americanos, seguidos fielmente no mundo todo; Hollywood continua a dar as cartas nas bilheterias globais, com sua usina de celebridades que povoam sites e revistas; cantoras como Beyoncé e rappers como Jay Z dominam os videoclips em TV e You Tube; filmes de HQ em cartaz como Capitão América Lanterna Verde insinuam a velha ideologia do heroísmo que livra Nova York e outras cidades de vilões com tonalidades nazistas ou comunistas ou terroristas; e até para rirmos das manias americanas, de sua mentalidade consumista, precisamos de um americano como Woody Allen. E o que dizer do admirável mundo novo da tecnologia? Bill Gates, Steve Jobs e Mark Zuckerberg estão muito acima da manada forasteira – e que eu saiba a internet fala inglês, não chinês.
Talvez alguém argumente que a cultura americana não perdeu influência em termos de quantidade, de comportamentos massificados, mas em termos de qualidade, de modelos refinados. Por um bom tempo, bebendo na fonte europeia, a cultura americana buscou padrões cada vez mais elevados e produziu escritores como Henry James, Scott Fitzgerald, Saul Bellow (irrelevante que tenha nascido no Canadá); importou cientistas como Einstein e cineastas como Hitchcock; produziu movimentos na pintura, como o expressionismo abstrato, e na música, como o jazz, o bebop e o rock, que mudaram o mundo a fundo; também gerou pensadores, metafísicos ou pragmáticos (de Peirce a Rorty), e espalhou fundações e museus indispensáveis. Nomes e instituições já não surgem como antigamente nos EUA. Mas alguém me diga: e onde surgem?
Sim, também sonho com um mundo mais multipolar, o que significaria uma América menos hegemônica, e, sim, também me canso dessa cultura americana de arte enlatada e mente dicotômica, que com seus apelos emotivos e “power points” afasta muitas pessoas de outros conteúdos e formas de pensamento e estética. Não nego que algumas coisas estejam mudando e que isso seja bom, que os tempos de colonialismo bélico possam estar passando. Mas acho desonesto ignorar a presença ainda tão forte dos produtos e atitudes dos EUA, tantas vezes imitados até por quem diz odiá-los, e confundir uma fase crítica com um fracasso estrutural. Talvez o fato de o século 21 não vir a ter um “dono” seja a melhor notícia, mas, por ora, um deles ainda serão os EUA por um bom tempo. Como diria Mark Twain, os boatos sobre o declínio americano são exagerados.

Reclamações – João Ubaldo Ribeiro


Acabo de passar os olhos nos jornais e, naturalmente, li muito sobre corrupção, mas bem menos que em dias anteriores. É natural, não só foi feita uma faxina, ainda que meio estranha, como, principalmente, o assunto começa a ficar velho. Da mesma forma que em relação a um produto qualquer, cansamos do velho e queremos novidades. O noticiarista tem de matar um leão por dia, se quiser continuar tendo leitores. E aí vem esse papo de corrupção, espocam notícias e fofocas irrequietas e todo mundo entra no bonde, mas não completa a viagem, que acaba ficando chata mesmo, de tão repetitiva.

Isso se deve em grande parte ao fato de não acontecer nada com os corruptos, a não ser um comentário de um jornal ou outro. Até quando parece que pegaram mesmo um corrupto, é foro especial pra cá, é recurso de todo tipo pra lá e o fato é que o bicho continua próspero, meio gordote e feliz por nunca ter trabalhado e ganhar uma bela aposentadoria de deputado, para não falar nas “colocações” de parentes, protegidos e assemelhados.

Mesmo que houvesse punição, o Brasil é muito avaro com elas. De vez em quando se anuncia que Fulano foi condenado a, sei lá, seis anos de cadeia, mas logo se descobre que, se valendo disso e daquilo, estará em regime semiaberto dentro de alguns meses e praticamente solto. Outro dia, muitos de vocês devem ter visto na TV um rapaz sorridente confessar numa delegacia de polícia que foi coautor ou cúmplice de um assassinato. Mas, como o próprio delegado explicou, ele se apresentou espontaneamente, era réu primário, patati-patatá e foi imediatamente solto, só faltando um abraço no delegado e um aceno para as câmeras. O mesmo ocorre com o indivíduo que enche a cara, pega o carro, faz uma série de barbeiragens embriagadas e mata quatro pessoas de uma vez. Réu primário, coisa e tal, paga fiança, responde ao processo em liberdade e depois lhe dão as colheres de chá legais que lhe permitirão matar mais quatro ou cinco daí a uns dois anos.

Apesar de algumas mudanças recentes, a tendência tem sido procurar as “causas” do comportamento antissocial, o que acaba por levar à conclusão de que ninguém é culpado ou responsável por nada. O culpado é a causa, não o agente do delito. E a função da pena é a “recuperação” do condenado, mesmo por crimes muito graves, sua “reinserção na sociedade”. Creio que continua politicamente correto pensar assim, mas já há especialistas que acham que essa “recuperação” é no mais das vezes falaciosa. E a severidade da punição tem passado a ser vista como básica, mesmo para a obtenção de alguns casos de recuperação. Mas, no Brasil, as penas são leves e suavizáveis a pretexto de praticamente qualquer coisa. Cala-te, boca, mas não posso evitar a suposição, oxalá falsa, de que, com tanto legislador pendurado numa ilegalidadezinha, seria uma imprudência da parte deles estabelecer penas pesadas para — quem sabe quando o Cão atenta? — um delito pelo qual vários ou muitos deles mesmos podem vir a ser condenados.

A repercussão do assassinato da juíza Patrícia Acióli foi vergonhosa para quem quer que seja cioso das instituições republicanas e compreenda a gravidade desse ato. O fato teve e ainda está tendo cobertura ampla. Mas nenhum governante chamou a atenção para a agressão às instituições assim cometida, ao que parece nenhuma autoridade foi ao sepultamento da juíza e tudo o que ouvimos dessas autoridades foram as habituais declarações de lamentável isso e aquilo e providência disso e daquilo. Agora descobre-se que as balas usadas para matar a juíza eram munição da Polícia Militar, certamente deflagradas por armas também da Polícia Militar. Enfim, descobre-se que agentes da lei mataram uma magistrada e não há a indignação, o clamor e o vigor de reação com que um fato dessa magnitude exigiria e que ajudaria na sua avaliação adequada por parte da população atingida, ou seja, nós todos, de uma forma ou de outra. Aqui é praticamente apenas mais um simples fato policial — lamentável etc. Claro que a comparação é falha, mas imagino um juiz americano fuzilado com armas e munições de policiais. Aqui é tratado como ocorrência normal e vem o medo de que se torne corriqueiro.

Mais um medo, entre todos com que aprendemos a conviver e já nem notamos. Apareceu até uma novidade, o medo da ambulância. No Rio foi descoberto um ramo de comércio que já deve estar implantado também em outras cidades, considerando a rapidez com que essas coisas se espalham, pois o brasileiro é muito observador e atento a novas descobertas. Agora o sujeito passa mal — como sempre em plena madrugada — e aí a candidata a viúva telefona aflita para uma ambulância. Os operadores da ambulância então levam o doente, não ao hospital que ele quer ou que mais convém a seu estado. Levam o infeliz para o hospital ou clínica que os remunerarem de acordo com uma complexa tabela. A clínica está sem freguesia — talvez porque hajam morrido todos os seus pacientes — e aí paga um modesto estipêndio aos condutores da ambulância, para refazer a clientela. Claro, pensei logo na possibilidade de uma clínica dessas contratar transplantes, caso em que o paciente acordaria sem um rim, num hospital desconhecido, que ainda cobraria pela intervenção. Talvez vocês achem isto um exagero, mas puxem pela memória, porque já devem ter lido sobre coisas piores.

Escrevo sobre estes assuntos e penso novamente na corrupção. Há quem considere a corrupção um problema político menor ou que se trata de uma questão de moralismo. Não é nem uma coisa nem outra, é por causa dela que enfrentamos os problemas que mencionei e tantos outros com que também sofremos. E ter senso de moralidade distingue os homens dos bichos.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Caminhar é a atividade mais importante nas cidades


“Agora é a vez do pedestre”, afirma o diretor de desenho urbano da Prefeitura de Nova York, Alexandros Washburn.
A Folha conversou com o arquiteto durante o 1º Congresso Internacional de Habitação e Urbanismo, promovido pela Prefeitura de São Paulo em junho.
Ele critica o modelo de urbanização com prédios recuados e muros alto, comum em São Paulo.
Folha – São Paulo pretende adensar as áreas centrais para aproximar as pessoas dos empregos e da infraestrutura que já existe. A cidade não vai se tornar desagradável, cheia de prédios altos?
Alexandros Washburn -
 Não é agradável caminhar pela Quinta avenida? Não há nada de errado com prédios altos. A questão é como esses prédios se encontram com a rua. Aqui você tem uma regra que diz que os prédios devem ser recuados. Mas aí o que você tem é rua fechada com muros e grades.
E como deve ser?
O muro da rua tem que ser feito do tecido dos prédios, com lojas, janelas nos primeiros andares. Você tem que sentir que as extremidades da rua estão abertas para você. E que as pessoas estão olhando para você.
É preciso projetar desde a linha de um prédio à do outro. Em vez de recuar o prédio cinco metros, construir direto na calçada. Deixa uns três metros livres na calçada. E aí põe uma árvore, depois a guia. E então decide: Vou pôr uma ciclovia ou vou pôr os carros para estacionar aqui?
Alguém precisa desenhar isso. Hoje, está por conta própria.
Nova York enfrentou resistência dos moradores para implementar a ciclovia do East Side?
Tem havido um pouco de resistência. Mas isso é parte do processo de compreensão de como a mistura da via com as bicicletas funciona.
Em minha perspectiva, o pedestre é o mais importante. Caminhar é a atividade mais importante na cidade. Tanto pelo lado cultural como pela sustentabilidade.
Nova York tem muita sorte por lutar por ótimas ruas. Você conhece a música “Empire State of Mind”, da Alicia Keys? É sobre caminhar em Nova York. Tem outra do Frank Sinatra. As ruas de Nova York são tão boas para andar que as pessoas escrevem músicas sobre isso.
O que torna a cidade “caminhável”?
Entre os edifícios, há uma quantidade limitada de metros. Então é preciso decidir quantos metros para caminhar, quantos metros para árvores, quantos metros para bicicletas, para carros. Decidir que o pedestre é o foco é uma decisão política importante para a cidade.
É por isso que Nova York é uma cidade vibrante. Caminhar na rua em Nova York é minha experiência favorita. O espaço público é muito importante para construir confiança entre as pessoas de todas as classes e etnias.
Como colocar o pedestre em primeiro lugar em uma cidade projetada para carros, como São Paulo?
Cidades são projetos de longo prazo. Os carros estão em primeiro lugar há 50 anos. Agora é a vez do pedestre. É uma questão de equilíbrio, não de eliminação.
Quando você toma a decisão de colocar o pedestre em primeiro lugar, você adota um ponto de vista. Você vê os problemas através dos olhos de um cidadão caminhando pela rua. Não são soluções mutuamente exclusivas.
Por exemplo, como pedestre, é bom ter carros parados paralelamente à calçada. Eles formam uma barreira ao movimento da rua. Carros e pessoas podem andar juntos, mas a questão é perguntar primeiro ao pedestre.
É possível transformar o Minhocão em um parque suspenso, como o High Line, de Nova York?
A comparação entre o Minhocão e o High Line é difícil. Primeiro, o Minhocão não é uma linha de trem abandonada, como o High Line. O Minhocão tem uma função de transporte ativa.
Acho que o objetivo para o Minhocão pode ser modificar essa função de transporte, não eliminá-la, e fazê-la servir melhor a vizinhança ao redor dele.
Mas acho que não se deve chegar a ideias precipitadas. É preciso um debate amplo entre comunidade e especialistas para definir qual é o objetivo social, econômico e ambiental da transformação do Minhocão. No momento, me parece que desenhar a pergunta é mais importante do que fazer um projeto.
Há semelhanças entre a revitalização da área portuária de Nova York e a Nova Luz?
Diferentemente do que fizemos com a região portuária, a Nova Luz tem o potencial de ser uma vizinhança completa: tem uma ótima estação de trem, um ótimo parque, apartamentos, escritórios, lojas. E tem uma localização estratégica, próxima ao centro. A estrutura está toda lá para que se torne um bairro excelente.
Para mim, o sucesso da Nova Luz está nos detalhes. Primeiro: como os novos prédios vão se encontrar com a rua? A calçada contribui para que exista um lugar bonito para caminhar? Os estabelecimentos estão abertos para a calçada para reforçar a vitalidade do local para o pedestre? E qual é a mistura do que já existe e do novo?
Como é a participação nos projetos de Nova York?
Nós temos uma forma de ouvir as pessoas, a “Uniform Land Use Review Process”. Está na lei. Fazemos reuniões, ouvimos.
Assim, é possível pegar uma ideia da comunidade, transformá-la em uma política, que é então financiada pelo setor privado. E também um pouco pelo governo.
Um projeto que resultou desse método foi o High Line, que mudou o bairro ao redor.
Rudolph Giuliani [ex-prefeito de Nova York] já tinha assinado uma ordem para demoli-lo. Aí, dois caras organizaram um grupo chamado Amigos do High Line. Eles organizaram uma competição de ideias. Para qualquer ideia dar certo, política, financiamento e projeto têm de estar juntos.
As pessoas sempre se interessam pela mudança urbana?
Na área portuária, que é a área próxima de onde houve o ataque ao World Trade Center, nós nos engajamos com o conselho comunitário.
Mostrávamos os desenhos, argumentávamos, refazíamos. Tem muito a ver com diálogo. E às vezes pode ser muito emocional, às vezes técnico.
No final, todo mundo quis fazer com que a margem do rio ficasse melhor.
Esse é um valor importante para o desenvolvimento urbano: fazer com que o projeto pertença não só a quem o construiu, mas às pessoas que moram ali. A comunidade precisa sentir que ela quer que o projeto aconteça.
E como está a revitalização da zona portuária?
Está pronta. Você já pode ir lá e passear nela. É muito importante entender que a janela de oportunidades se abre por um tempo curto. Você tem que saber o que quer e fazer enquanto pode.
Quando a mudança vem, é de uma vez. E aí para. São Paulo é muito empolgante para mim. Me parece ser uma cidade à beira da mudança. Não tanto fisicamente, mas de ponto de vista. Quando essa mudança de perspectiva acontece é que a cidade muda fisicamente.
Você falou de ideias que surgiram da população. E quando o processo é inverso?
Tem um ditado em inglês, “o sucesso tem muitos pais”. Você está sempre procurando ideias que sejam bem-sucedidas. Muitas não vão a lugar nenhum. As que dão certo são as que têm ressonância. E é isso que estamos buscando. Dá para descobrir rápido. É como quando você toca a tecla certa do piano.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Quando o rato quer o gato, Fernando Reinach


25 de agosto de 2011 | 0h 00
Fernando Reinach - O Estado de S.Paulo
Nada como o desejo sexual para diminuir a aversão ao risco. Mas quando um rato se sente atraído por um gato, acaba comido. Literalmente. Ruim para o rato, bom para o gato e para o parasita que, instalado no cérebro do rato, faz com que o roedor se apaixone pelo inimigo.

Em 1999, foi descoberto que ratos infectados com o parasita Toxoplasma gondii apresentavam um comportamento estranho. Enquanto um rato normal fica totalmente paralisado e tenta se esconder ao sentir o cheiro de um gato, ratos infectados pelo Toxoplasma pareciam ficar curiosos e começavam a explorar o ambiente. E, óbvio, encontravam-se com o gato e eram devorados. Mas como explicar esse comportamento quase suicida, aparentemente causado pela presença do parasita?
O Toxoplasma infecta diversos animais, até mesmo seres humanos, alojando-se no cérebro, onde forma minúsculos cistos. Mas o Toxoplasma só se reproduz sexualmente no intestino de um gato. É lá que ele se divide e acaba contaminando as fezes do bichano.
Nós e os ratos somos contaminados quando entramos em contato com fezes de gatos contaminados. Uma vez no rato, o grande desafio do Toxoplasma é voltar para o seu hospedeiro primário, o gato, a fim de se multiplicar. Para isso é necessário que o gato coma o rato - e, infelizmente para o Toxoplasma, não é sempre que o gato consegue capturar o rato (vide Tom & Jerry).
Na época em que esse comportamento foi descoberto em ratos infectados, os cientistas sugeriram que, ao longo da evolução, o Toxoplasma teria adquirido a capacidade de se alojar em um local do cérebro dos ratos, alterando o comportamento do roedor, o que facilitaria sua captura pelos gatos. Essa hipótese, digna de um filme de ficção científica, agora foi confirmada.
Experiência. O experimento é simples. Dezoito ratos foram infectados com Toxoplasma e 18 ratos saudáveis serviram como controle. Nove ratos infectados e 9 ratos saudáveis foram colocados em gaiolas contendo um pedaço de tecido umedecido com urina de gato. A outra metade, 9 ratos saudáveis e 9 infectados, foi colocada em uma gaiola, na qual podiam sentir o cheiro de uma fêmea no cio colocada na gaiola ao lado.
O estímulo durou 20 minutos. Uma hora e meia após o término do estímulo, os ratos foram sacrificados e seus cérebros, preservados, fatiados e examinados ao microscópio. O objetivo era determinar qual área do cérebro havia sido estimulada durante a exposição à urina de gato ou ao cheiro das atrativas fêmeas no cio. Isso é possível porque, quando um neurônio fica ativo por muito tempo, ele sintetiza uma proteína chamada c-Fos, que pode ser detectada nas fatias de cérebro. Se os neurônios possuem c-Fos, isso indica que eles estavam ativos antes da morte do animal. As áreas do cérebro envolvidas no desejo sexual e nas reações de medo foram examinadas cuidadosamente nos quatro grupos de animais.
Nos ratos normais estimulados pela presença da fêmea, somente a região envolvida no desejo sexual havia sido ativada. Também como esperado, os ratos normais submetidos ao cheiro de urina de gato apresentavam a área relacionada ao medo ativada e a região relacionada ao estímulo sexual desativada. O interessante é o que foi observado nos ratos infectados com Toxoplasma. Nos ratos submetidos ao cheiro das fêmeas, somente a área sexual era ativada. Mas nos ratos infectados submetidos ao cheiro de urina de gato, tanto a área relacionada ao medo quanto a área relacionada ao desejo sexual haviam sido ativadas. Em outras palavras, os ratos infectados pelos parasitas, ao sentir o cheiro de urina de gato, ficavam com medo (como esperado), mas ao mesmo tempo ficavam atraídos sexualmente pelo cheiro. Como a atração sexual é mais forte que o medo, eles se aventuram a procurar a origem do cheiro de urina. Acabam encontrando o gato, são devorados, e o parasita pode colonizar o gato.
Esse resultado demonstra que a infecção pelo parasita não suprime o medo que os ratos sentem dos gatos, mas estimula de tal forma o desejo sexual que este supera o medo. Parece-me que esse tipo de reação, o desejo superando o medo, não é estranho aos seres humanos. Seria curioso investigar se pessoas infectadas pelo Toxoplasma são mais propensas à infidelidade.

MAIS INFORMAÇÕES: PREDATOR CAT ODORS ACTIVATES SEXUAL AROUSAL PATHWAYS IN BRAINS OF TOXOPLASMA GONDII INFECTED RATS. PLOS ONE, VOL. 6 PÁG. 23.277, 2011

domingo, 21 de agosto de 2011

O encolhimento do sonho americano

Classe média dos Estados Unidos vê se distanciarem dela dois de seus maiores ícones: o emprego estável e a casa própria
14 de agosto de 2011 | 0h 17
Kenneth Serbin - O Estado de S.Paulo
Num episódio da novela Insensato Coração que foi ao ar recentemente, o jovem casal André e Carol atua numa cena que resume uma faceta importante da emergente economia brasileira: avaliando suas possibilidades para dar o grande salto com a compra do apartamento, eles se sentem mais confiantes ao concluir que poderão dar uma entrada e financiar o restante do valor do imóvel - sem que André precise vender outro apartamento adquirido antes do início do relacionamento dos dois.
Como André e Carol, milhões de brasileiros estão conseguindo os meios para comprar, pela primeira vez, um apartamento ou uma casa própria, porque o governo e o setor privado criaram as condições para a realização do seu projeto.
Já vão longe os dias em que financiar um imóvel era raro e complicado. Os brasileiros vivem atualmente o "sonho americano".
E os americanos estão a par disso. A confirmação do auge do Brasil como provedor de habitação tanto privado quanto público foi divulgada no dia 11 na paraestatal National Public Radio, um dos melhores e mais prestigiosos veículos de comunicação dos Estados Unidos. O noticiário econômico da manhã falou do sucesso de um novo bilionário brasileiro, Rubens Menin Teixeira de Souza, um dos principais parceiros do governo no programa da habitação conhecido como Minha casa, Minha Vida.
Rubens Menin também será focado no artigo de capa sobre os "bilionários ocultos" da edição de setembro da revista Bloomberg Markets. Como todos sabem, a empresa de Rubens Menin está prestes a se tornar a maior construtora do mundo.
O inverso dessas salutares tendências econômicas ocorre nos EUA, onde, no dia 5, a sombria perspectiva financeira de longo prazo levou a agência de avaliação de risco Standard & Poor"s a rebaixar o rating de crédito do país de AAA para AA+. A decisão histórica fez despencar as bolsas do mundo inteiro. Mas, na realidade, é apenas um dos vários indicadores do declínio dos EUA.
Os americanos estão sendo cada vez mais excluídos do patamar econômico da classe média e de seus dois atributos mais importantes: um emprego estável bem remunerado e uma casa.
Os grandes símbolos do sonho americano estão desaparecendo.
O desemprego oficial continua em 9% ou mesmo acima disso. Entretanto, a taxa real, que inclui os subempregados e os que já não constam das estatísticas porque desistiram de procurar trabalho, seria superior a 16%.
Isso significa que um em cada seis trabalhadores americanos se encontra em situação muito difícil. Essas estatísticas não abrangem os pobres que trabalham ou uma boa parcela da população empregada no amplo setor do comércio varejista, em companhias como a Wal-Mart, que ganha muito pouco e recebe poucos benefícios.
Na tentativa de estimular a economia, o governo injetou trilhões de dólares. Uma boa parte desse dinheiro foi emprestada por outros países. Entretanto, os números assustadores do desemprego continuam virtualmente os mesmos.
São poucos os líderes políticos e os especialistas que têm a visão e a coragem de admitir o fato de que a economia não pode gerar novos empregos porque muitas empresas americanas transferiram suas atividades de produção e serviços para o exterior, principalmente China, mas também Índia, Filipinas e outros.
Não há mais o que espremer aqui.
O outro lado da moeda do desemprego é a violenta queda no número de proprietários de imóveis residenciais, exacerbada pela crise financeira. A execução de milhões de hipotecas ainda não terminou.
A concessão de alvarás de construção de imóveis residenciais, em termos mensais, numa economia americana saudável deveria ser algo entre 1,2 e 1,7 milhão. Em abril de 2009, o número caiu para o nível baixíssimo de 478 mil. Dois anos mais tarde, mal superava os 600 mil. Alguns estudos indicam que o aumento maior da concessão de novos alvarás acontece na área da construção de prédios de apartamentos.
"Os Estados Unidos estão se tornando rapidamente uma nação de inquilinos", afirmou na edição de 5 de agosto o Chicago Tribune em um artigo que discutia um relatório sobre o setor da habitação divulgado pela empresa de serviços financeiros Morgan Stanley. Em 2004, 69,2% dos americanos tinham casa própria. Segundo a Morgan Stanley, agora a porcentagem caiu para 59,2% - o menor patamar desde meados da década de 60, quando o governo começou a elaborar estatísticas anuais.
"Pela primeira vez na história recente, o governo deixou de promover a compra de casa própria para todos os americanos, o que levou a uma revisão da política da habitação", disse o relatório da Morgan Stanley.
O governo do presidente Barack Obama confirmou essa mudança. Em um relatório de fevereiro citado pelo Tribune, o governo afirmou que seu objetivo é "garantir que os americanos tenham acesso a várias opções de habitação a seu alcance. O que não significa que o nosso objetivo seja tornar todos os americanos proprietários de um imóvel".
Não faz muito tempo, essa afirmação teria constituído suicídio político para um presidente dos Estados Unidos. Mas hoje reflete a dura realidade - aliás, para muitos, uma triste realidade - da nova economia americana.
Se os líderes do país não reverterem essas tendências, a classe média americana encolherá. O sonho americano - ou o que resta dele - se tornará privilégio de uma minoria e não mais a esperança de todo um povo.
KENNETH SERBIN É CHEFE DE DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE DE SAN DIEGO. FOI PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE ESTUDOS BRASILEIROS (BRASA) DE 2006 A 2008 

Emprego em alta não freia ações trabalhistas

Apesar da queda do desemprego, Justiça recebeu 3 milhões de processos em 2010
15 de agosto de 2011 | 0h 00
Marcelo Rehder - O Estado de S.Paulo
Apesar da queda do desemprego para um dos níveis mais baixos da história, o número de reclamações trabalhistas na Justiça brasileira já chega perto de 3 milhões de ações por ano - média que não se compara a nenhum país.
Wilson Pedrosa/AE
Wilson Pedrosa/AE
Estoque. Inexistência de penalidade para ação indevida incentiva aumento do número de processos, dizem especialistas
Em 2010, foram abertos mais de 2,8 milhões de processos em todo o País, segundo o Tribunal Superior do Trabalho (TST). É mais que o total de postos de trabalho formais abertos no período, que atingiu o recorde de 2,5 milhões de novas vagas, de acordo com o Ministério do Trabalho.
São múltiplos os fatores que contribuem para essa sobrecarga de processos, a começar pela alta rotatividade da mão de obra no mercado brasileiro, o que gera milhares de ações de empregados demitidos.
Só no ano passado, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) registrou quase 17,9 milhões de demissões. Contudo, o ritmo de contratações foi maior, de 20,4 milhões, resultando no saldo positivo de 2,5 milhões de vagas.
Entre os problemas, os especialistas apontam a legislação trabalhista, considerada anacrônica, detalhista e protetora do empregado. "O sujeito que já perdeu o emprego sabe que não vai sofrer consequência alguma se entrar com um processo na Justiça, ainda que reclame de má-fé, sabendo que não são devidos alguns pedidos", diz o advogado Márcio Magano, sócio da Bueno Magano Advocacia.
É diferente do que acontece, por exemplo, nos Estados Unidos. Lá, se o trabalhador perde a ação, tem de pagar todas as despesas da outra parte. "As pessoas pensam duas, três, dez vezes antes de entrar com uma ação", compara o advogado.
"Ninguém entra com processo trabalhista porque gosta ou porque não tem ônus", afirma o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique. "O ônus já aconteceu, na medida em que o trabalhador não recebeu seus direitos."
O sindicalista avalia que cerca de 70% dos processos que sobrecarregam a Justiça do Trabalho dizem respeito a direitos trabalhistas não pagos pelas empresas. "Estamos falando de horas extras, de salário igual para uma mesma função e de um conjunto de direitos que estão garantidos em acordos coletivos ou na própria lei, mas as empresas não cumprem."
O advogado Almir Pazzianotto Pinto, ex-ministro do Trabalho e do TST, diz que não é bem assim. "Existe o bom empregador e o mau empregador, mas não acredito que haja um número tão grande de violações como as que estão nesses processos." Ele argumenta que, diferentemente do que ocorre em ações civis, o pedido trabalhista nunca é único. "Ninguém entra na Justiça para pedir só aviso prévio."
Informalidade. O Brasil tem um potencial imenso de ações trabalhistas, na medida em que os trabalhadores informais, estimados em 32 milhões, e os chamados "PJ", têm uma relação estreita com empregador só enquanto estão trabalhando. Ao serem dispensados, vão à Justiça,
Ao onerar igualmente empreendedores desiguais, como microempresários e empresas de grande porte, a legislação contribui para a informalidade e o aumento de ações na Justiça.
Uma reforma da CLT que elimine as distorções sempre é lembrada, mas o debate costuma esbarrar nas divergências entre os representantes das empresas e dos trabalhadores. Os empresários querem retirar direitos e os trabalhadores defendem a manutenção da proteção oferecida pela Justiça do Trabalho.
Além disso, a Justiça amplia os direitos dos trabalhadores por meio de suas decisões. Há cerca de duas semanas, um cortador de cana obteve, na Justiça do Trabalho, o reconhecimento do direito ao adicional de insalubridade com base em laudo pericial que comprovou exposição intensa ao calor em níveis acima dos limites previstos na regulamentação da matéria.
Para o TST, a insalubridade não se caracterizou pela simples exposição aos efeitos dos raios solares, mas pelo excesso de calor em ambiente de elevadas temperaturas, em cultura em que sua dissipação torna-se mais difícil que em outras lavouras.
"Imagine se todo cortador de cana começar a abrir processo para adicional de insalubridade", diz um desembargador que pediu para não ser identificado. "Vai obrigar as usinas a acabarem de vez com o corte manual da cana, afetando sobretudo o pequeno agricultor, que não tem condições financeiras para mecanizar a colheita." 

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Praça ou shopping



Por Redação Link
Depois da utopia e do domínio de empresas, ainda é tempo de retomar princípios da web
Por Evgeny Morozov*
Ilustração: Farrell
Muitos avanços aparentemente não relacionados no setor da computação foram de vital importância. A ideia de uma computação descentralizada e personalizada já começava a ser cogitada por empresas como Apple e Microsoft nos anos 1970. Por outro lado, o conceito de computação da IBM era de uma atividade centralizada e cara. Se esta visão tivesse prevalecido, a internet não teria ido além do e-mail. O fato de o seu telefone celular funcionar como um computador não é o resultado de tendências tecnológicas inevitáveis, mas de uma luta profundamente ideológica entre visões diferentes da computação.
Grande parte do mérito pelos avanços da rede cabe a pessoas como Vint Cerf, criador do primeiro protocolo de comunicação intrarredes, que ajudou a unificar as redes pré-internet; e de Tim Berners-Lee, que criou a World Wide Web.
Mas é impossível estudar a história da internet sem conhecer as aspirações de seus primeiros incentivadores, um grupo distinto de engenheiros, entre eles Stewart Brand, Kevin Kelly, John Perry Barlow, e o púbico que se formou em torno da revista Wired, quando lançada em 1993. No geral, homens da Califórnia que tinham ternas lembranças do hedonismo dos anos 1960.
Eles enfatizavam a importância da comunidade e do compartilhamento de experiências. Encaravam o Estado e suas instituições como obstáculos a derrubar. E qual melhor maneira de fazê-lo se não no espaço virtual?
Mas havia também um lado sério. Figuras como Nicholas Negroponte, cofundador do Laboratório de Mídia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Bill Gates, da Microsoft e Esther Dyson, comentarista e empreendedora, contribuíram para a internet não virar apenas o refúgio predileto dos hippies da Costa Oeste mas também um lugar para fazer negócios. E à medida que os pontífices do espaço virtual insistiam nas suas promessas, a internet se tornava o lugar para “se ter poder”.
E esse poder supostamente seria conseguido por meio da remoção de intermediários. As empresas de mídia tradicionais seriam substituídas pelos bulletin boards, fanzines eletrônicos e, depois, por fóruns e blogs. Os representantes eleitos seriam substituídos por “comunidades virtuais eletrônicas”, com eleições diretas online.
De um modo geral, a visão de um mundo sem intermediário satisfazia antigos hippies comunitários e especialistas cibernéticos libertários. Ambos queriam que a internet nivelasse o mundo, tornando-o mais justo.
Por que os investidores viram-se tão atraídos pela internet é um mistério: o mercado da publicidade online na época era minúsculo e o número de usuários da rede era desprezível. Em 1995, eram apenas 15 milhões, de acordo com o Internet World Stats.
Novas empresas pipocavam, mas, no caso da maioria, as apostas eram promessas de um futuro brilhante e não em serviços reais. A despreocupação dos investidores com os métodos tradicionais de avaliar o desempenho financeiro indica que o seu julgamento foi eclipsado por uma combinação tóxica: a retórica dos incentivadores New Age da internet e as promessas neoliberais de novas maneiras de fazer bons negócios.
Muitas empresas de internet concentraram sua atividade na publicidade e, assim, ficaram à mercê das tendências daquele setor – a personalização é a mais importante delas. Os anúncios online eram ajustados aos interesses de um dado usuário. Quanto mais o website conhece do usuário, mais eficaz é a promoção feita.
Como fim lógico dessa crescente personalização, cada usuário acabou tendo sua própria experiência online. Algo muito distante da visão inicial da internet como espaço coletivo. Em vez de internet, podemos começar a falar de um bilhão de “internets”: uma para cada usuário.
O poder sonhado se revelou uma ilusão. Os usuários da rede podem achar que desfrutam de livre acesso a serviços interessantes, mas estão pagando por esse acesso com sua privacidade. Grande parte do nosso compartilhamento de informações parece banal. Mas quando a informação é analisada com dados de outros serviços similares, ela pode gerar insights sobre indivíduos e grupos profundamente interessantes para marqueteiros e agências de inteligência.
Se sabem o que você come, podem também descobrir o que você lê; a partir daí, não é difícil conhecer suas preferências políticas e manipulá-lo. Estamos rumando a um futuro onde a privacidade vai virar um bem caro. Já há empresas, criadas recentemente, oferecendo privacidade mediante a cobrança de “uma taxa”.
Embora estejam nos delegando poder como consumidores, estamos perdendo essa capacidade como cidadãos, algo que os profetas digitais que pregavam a libertação por meio do espaço virtual não previram. As “reuniões comunitárias eletrônicas a nível de governo ” jamais decolaram. Quando o presidente Barack Obama tentou realizar uma logo após ser eleito, a pergunta mais frequente foi sobre a legalização da maconha. A internet não substitui a política – ela a aumenta e amplifica.
Talvez a incompatibilidade entre ideais digitais e a realidade possa ser atribuída à ingenuidade dos pontífices da tecnologia. Mas o problema real é que os primeiros visionários da internet jamais conseguiram traduzir suas aspirações de um espaço virtual compartilhado num conjunto de princípios concretos com base nos quais seriam criadas regras de uso da internet.
Quem tira o lixo? Algumas questões fundamentais envolvendo os aspectos coletivos da internet foram abandonadas. Quem se encarrega de tirar o lixo? Ou seja, quem deve lidar com os spams e fraudes online? Quem é o responsável pela preservação da memória histórica, ou seja, os efêmeros tweets e postagens de blogs que tendem a desaparecer no vazio digital? Quem vai proteger a dignidade dos cidadãos? Quem vai se encarregar da proteção da privacidade contra a difamação e a calúnia?
Os fundadores da internet tinham intenções louváveis. A visão utópica da internet como um espaço compartilhado de modo a aumentar ao máximo o bem-estar coletivo é um bom modelo para se trabalhar. Mas eles foram atraídos pela possibilidade de “grandes lucros” e viram-se apanhados na armadilha do discurso da “autonomia e poder pessoal”, simplesmente um ardil ideológico para ocultar os interesses das grandes companhias e reduzir a intervenção do governo.
A situação como está hoje não é irreversível. Ainda temos alguma privacidade e as empresas ainda podem ser controladas por meio de regulamentos inteligentes. Mas precisamos parar de pensar na internet em primeiro lugar como um mercado e depois como um fórum público. O que falta, há muito tempo, é um reexame fundamental da primazia das dimensões cívicas da internet. Está na hora de decidir se o que queremos da internet é que seja um shopping privado ou uma praça pública. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
*Evgeny Morozov é jornalista e autor do livro The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom (A Desilusão da Rede: O Lado Obscuro da Liberdade na Internet).