segunda-feira, 27 de abril de 2009

O tipo de desenvolvimento que nós queremos

Como organizar a economia para gerar riqueza e conforto sem exaurir os recursos naturais da Terra
HERMAN DALY
 Divulgação
Herman Daly 
é economista da Universidade de Maryland. Ele criou as políticas de desenvolvimento sustentável do Banco Mundial nos anos 80 

O dilema ambiental de hoje é o resultado de uma lógica econômica que ignora os limites naturais para o crescimento. O economista americano Herman Daly foi o primeiro a reconhecer esse problema, quando estava no Banco Mundial, em 1988. Hoje, professor da Universidade de Maryland, ele propõe saídas para o impasse.

A maioria dos economistas não entende um fato simples que para os cientistas é óbvio: o tamanho da Terra é fixo. Nem a superfície nem a massa do planeta crescem ou encolhem. O mesmo vale para a energia: a quantidade absorvida pela Terra é igual à quantidade que o planeta irradia. O tamanho total do sistema – a quantidade de água, solo, ar, minerais e outros recursos presentes no planeta em que vivemos – é fixo.

A mudança mais importante que aconteceu na Terra nos últimos tempos foi o enorme crescimento da economia, que tem consumido cada vez mais recursos do planeta. Desde que eu nasci, a população mundial triplicou, e o número de cabeças de gado, carros, casas e geladeiras aumentou ainda mais. Nossa economia está agora alcançando um ponto em que vai ultrapassar a capacidade da Terra de sustentá-la. Os recursos acabam e os reservatórios de lixo lotam. O mundo natural que nos resta não pode mais suportar a economia atual, muito menos uma que continue a se expandir.

A economia é como um organismo faminto em fase de crescimento. Ela consome recursos naturais como árvores, peixes e carvão. Deles, produz energia e bens úteis e cospe resíduos como dióxido de carbono, lixo e água suja. A maioria dos economistas está preocupada com o sistema circulatório do organismo e em como a energia e os recursos podem ser eficientemente alocados. E tende a ignorar seu sistema digestivo: os recursos que o organismo consome e o lixo que produz. Os economistas pressupõem que ambos sejam infinitos.

Horácio Villalobos
REINVENÇÃO DA RODA 
Bicicletas estacionadas em Paris. O governo francês as oferece para aluguel. Segundo Daly, estímulos ao transporte público podem aliviar o abuso no consumo de recursos naturais 

Por causa disso, eles não reconhecem limites na capacidade de crescimento da economia. Num relatório publicado no início do ano, a Comissão de Crescimento e Desenvolvimento (apoiada pelo Banco Mundial) revisou a experiência de 13 países, incluindo Botsuana, Brasil, China e Japão. Esses países cresceram 7% ou mais ao ano durante décadas. A comissão sugere que o mundo deveria seguir esse exemplo. No entanto, se a economia global crescesse nesse ritmo, em 25 anos ela estaria cinco vezes maior que hoje. Eles não dizem o que aconteceria depois disso. Presumo que deveríamos simplesmente almejar repetir o feito.

Geralmente, quando o custo de uma atividade começa a se sobrepor a qualquer benefício, nós a interrompemos. Comprar um sorvete faz sentido se isso nos traz prazer e sacia o apetite. Uma vez que já comemos dois ou três sorvetes, contudo, não compramos mais nenhum, porque, apesar do sabor agradável, começamos a passar mal. Esse botão de desligar não está funcionando para a economia como um todo, porque nossa contabilidade não separa os custos da atividade econômica de seus benefícios. Em vez disso, ambos são contados como Produto Interno Bruto (PIB). Contamos como crescimento desejável tanto o benefício da atividade que gera poluição quanto o serviço de limpeza dessa poluição, por exemplo. E, quando a derrubada de árvores e a venda da madeira inflam o PIB, nada subtraímos pela perda de florestas.

A escala da economia global está se aproximando dos limites com os quais o planeta pode arcar. À medida que os oceanos ficam sem peixes, as florestas encolhem com o desmatamento e os níveis de poluentes e de gases de efeito estufa na atmosfera aumentam, os custos ambientais e sociais do crescimento tendem a aumentar. Até que alcancemos um ponto em que o preço que pagamos por unidade extra de crescimento se torna maior que os benefícios que desfrutamos.

"Poderíamos substituir o Imposto de Renda por uma taxa sobre o 
consumo de recursos. Isso incentivaria o melhor uso da natureza"

Há evidências de que já passamos desse ponto, ao menos em países ricos como os Estados Unidos e o Reino Unido. Já que nosso PIB não revela se isso aconteceu ou não, acadêmicos deram um jeito de monitorar outros potenciais indicadores, como saúde, bem-estar e o estado do meio ambiente. Criaram medidas como o Índice de Bem-Estar Econômico Sustentável, o Indicador de Progresso Genuíno, a Pegada Ecológica e o Índice do Planeta Feliz. Esses acadêmicos descobriram que, à medida que o PIB cresce, esses outros indicadores se estabilizam ou caem. O crescimento econômico pode já estar nos deixando mais pobres que ricos.

Porque nosso sistema econômico é baseado na corrida pelo crescimento econômico acima de tudo, estamos rumando para um desastre ambiental – e econômico. Para evitar esse destino, é preciso mudar o foco do crescimento quantitativo para o desenvolvimento qualitativo e estabelecer limites estritos para a taxa de consumo dos recursos da Terra. Numa economia estável desse tipo, o valor dos bens produzidos ainda pode crescer, por exemplo, por meio de inovação tecnológica ou melhor distribuição. Mas a escala física da economia deve ser mantida em um nível que o planeta seja capaz de sustentar. É possível transformar nossa economia de um avião acelerado para um helicóptero pairando no ar? Após 200 anos de crescimento econômico, é difícil imaginar como seria uma economia estável. Ela não precisa significar passar frio no escuro sob uma tirania comunista. A maior parte das mudanças pode ser aplicada gradualmente, em pleno voo.

Podemos substituir o Imposto de Renda por uma taxa sobre o consumo de recursos naturais. Por exemplo, cobrando pelo óleo bombeado do fundo da terra ou pelo peixe tirado do mar. Isso incentivaria as empresas e as pessoas a usar melhor esse material. O excesso de embalagens no supermercado desapareceria. Também poderíamos criar um imposto sobre o carbono emitido. Viagens com combustíveis fósseis ficariam proibitivas, o que estimularia o transporte público e os veículos com tecnologias limpas. As empresas venderiam menos produtos e ofereceriam mais serviços. Em vez de comprar, alugaríamos o carro ou o tapete. A empresa fornecedora seria responsável pela manutenção e pela reciclagem do produto.

Como uma economia que não cresce afetaria nossa qualidade de vida? Psicólogos e economistas descobriram que a relação entre renda e felicidade é limitada. Depois que as necessidades básicas são atendidas, a felicidade depende mais da renda relativa – como nós estamos em relação a nossos pares – que da absoluta. Ter menos coisas não significa ser menos feliz. É possível até que traga mais felicidade. Além do prazer de deixar um planeta inteiro para nossos netos.



Celebritite aguda


Ivan Lessa em ilustração de Baptistão

Começando com uma não-celebridade: Christopher Lasch. Historiador, norte-americano. Em 1979, ele esboçou um diagnóstico da sociedade dos Estados Unidos como uma "cultura do narcisismo".

Passados 30 anos, dá perfeitamente para se afirmar que a moléstia - e não há dúvida tratar-se de moléstia - se espalhou pelo mundo inteiro. Lasch ponderou ainda que esta cultura se caracteriza por uma relação simbiótica entre celebridade, mídia e audiência, o que, por sua vez, leva a uma definição narcisista de personalidade.

Antes de passarmos a bola para Naomi (é oxítona, hem) Campbell, fiquemos mais um pouquinho com o historiador. Escreveu ele o seguinte: "A mídia dá substância e, assim, intensifica os devaneios de fama e glória, encorajando a pessoa comum a se identificar com astros e estrelas e a odiar o rebanho da multidão, o que torna cada vez mais difícil o processo de aceitar a banalidade da existência do dia-a-dia".

O mundo inteiro, via televisão, tem o seu equivalente aos velhos programas de calouros, só que agora incrementados. Alguém na distinta plateia se lembra do rádio e A Hora do Pato? Os calouros de Ary Barroso? Flávio Cavalcanti e seus jurados amestrados? Multipliquem por mil, acrescentem cores e aí estamos: exatamente onde estávamos.

Outro dia mesmo, uma senhora britânica, beirando os 50 anos, de aspecto e apresentação classe operária, abriu a boca num desses programas milionários em audiência, cantou razoavelmente em inglês uma miserável canção francesa do musical Les Misérables e em menos de 24 horas virou fenômeno mundial. Ou seja, celebridade. As devidas aspas ficam por conta da disposição de cada um.

Uma mocinha também de classe operária - quase um xingamento aqui no Reino Unido -, Jade Goody, participou de um Big Brother mais notório que os outros. Foi por uns tempos a mulher mais odiada do país. Exemplo vivo de ignorância e falta de modos. Levou sua celebridade a outras versões do programa. Até na Índia. Acabou diagnosticada com câncer no útero. Vendeu e promoveu sua doença, para fins beneficentes, claro, casou-se, foi capa de tudo quanto é revista, primeira página de tudo quanto é jornal, ganhou programa próprio de televisão e, muito moça ainda, morreu.

Coitada. Mesmo. Sem sacanagem. Foi, e ainda é, das maiores celebridades recentes da Grã-Bretanha. Já se fala num musical a respeito de sua vida, a estrear dentro de alguns meses.

O povão, zi bigui pípul, ulula, bate palmas e pede bis. Há uma grande fome, uma enorme sede de celebridades. A "celibrocacia" está à solta. Ou a "celebritite". Como quiserem. Reações fervorosas ao fenômeno. Descobriram que qualquer idiota pode ser celebridade. Todos então à fila de inscrição nesse ou naquele outro programa de calouros. Há de tudo para todos os tipos de imbecis.

Não esquecer de forma alguma o que as celebridades 3 estrelas, como restaurantes do Guia Michelin, andam espalhando por aí em matéria de besteira. Brangelina, ou o casal Pitt-Jolie, praticamente anexou a Namíbia.

Madonna se apropriou da kabbalah confundindo tudo, além de ensaiar novas investidas adotivas na República do Malauí. Sharon Stone, cruzando as pernas, ensaia tolices inomináveis no Oriente Médio e na forma como a China trata o Tibete. Tola. O Tibete pertence a Richard Gere, como todos sabem.

Nem vou tocar, que me falta estômago, nos roqueiros. Prefiro encerrar estas divagações com minha celebridade predileta - e de muitos brasileiros também - que é a Naomi "Oxítona" Campbell. Sozinha, ela inventou e patenteou a agressão contra os serviçais mais próximos, ou à mão, da personal trainer à comissária de bordo.

Taca Ficha, Naomi, taca ficha! Calibra a mira e celebriza para valer esse troço aí!